domingo, 7 de setembro de 2008

Registo de alguns momentos em comunidade

- QUANDO O GESTO DIZ MAIS DO QUE AS PALAVRAS.
No passado dia 4 de Setembro, fez três anos que o actual pároco da minha paróquia assumiu esse cargo ou missão. No dia anterior fora-me comunicada a surpresa que lhe estava a ser preparada. De bom grado aderi à iniciativa e, no dia, com a colaboração dos colegas de trabalho, foi-me possível sair uns minutos mais cedo, conseguindo assim chegar à Missa, mal tinha começado. Os jovens, inexcedivelmente voluntariosos, mobilizaram-se para assegurarem a parte do canto.

Na homilia, o jovem pároco lembrou as palavras que escolhera para a sua “Missa Nova”, por sinal, as do evangelho deste dia, aquelas que Pedro dirigira a Jesus depois de ter participado na pesca milagrosa: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador» (Lc 5, 8b), para também ele se declarar um homem pecador, que precisa dos paroquianos, do seu testemunho e da sua oração, reiterando o que já algumas vezes dissera: «Façam de mim padre, e eu farei de vós santos»!

Certo de que o Senhor me perdoará por esta confissão, ainda que muito tenha apreciado as palavras do ministro sagrado, para mim o momento mais alto da Missa aconteceu quando afinal esta já tinha terminado. Mal o sacerdote acabara de sair do presbitério, foi-lhe apresentada a primeira surpresa: o Miguel, um menino de uns 5 a 6 anos, apressando-se a ir ter com o homenageado, ajoelhou diante dele e, erguendo os bracinhos, ofereceu-lhe um lindo ramo de flores, com o seu rostinho a brilhar, quiçá por via da luz que erradia daqueles olhinhos tão vivos que parece conterem em si o reflexo das estrelas.

Aquela natural, simples e tão bela imagem do sacerdote inclinando-se para receber as flores das mãos da criança que se ajoelhara para lhas oferecer, causou em mim uma tal impressão que tive de me esforçar para conter as lágrimas, enquanto ia esfregando os braços por ter ficado todo arrepiado. Era eu o primeiro beneficiário daquilo que dissera no dia anterior a alguns paroquianos, ao lhe endereçar por e-mail um texto com as seguintes palavras: «...em muitas situações, as palavras não são propriamente necessárias; quantas vezes um pequeno gesto é bem mais eloquente.» E de que maneira, devo dizer, neste caso!

- QUÃO PRECIPITADOS PODEMOS SER A FAZER JUÍZOS...
A segunda parte da surpresa foi o terem preparado um repasto à volta do qual houve um alegre e são convívio. Também aqui devo confessar o seguinte: se a questão tivesse ficado pelo início, também eu ficaria com uma ideia errada do padre, que disse não à proposta que outra paroquiana e eu lhe apresentámos, mas conversando mais sobre o assunto, fácil se tornou entender que o seu não era um não sábio. Mais uma vez eu tive a prova do quão tolos, precipitados, ou insensatos somos, sempre que procuramos concluir seja o que for, a partir das primeiras impressões. Por outras palavras, é o erro de construirmos ideias ou ajuizarmos sem termos matéria suficiente para tal. E mesmo assim, situações já houveram em que só dei conta do erro depois de um outro dado ter surgido...

- TÊM APENAS UMA REVISTA E UMA BOLA, JÁ MESMO VELHAS...
Conversando com outra pessoa que disse partir para a ilha do Príncipe na semana seguinte no âmbito da ajuda decorrente do protocolo de geminação entre as duas paróquias, o meu pensamento reteve-se naquilo que os olhos podiam ver, centrando mais a atenção na mesa, um exemplo simples de que nos encontrávamos num outro mundo, tão diferente daquele que é o de tantas famílias que na ilha do Príncipe ainda vão sendo ajudadas por outras da minha paróquia. Os salgados, os doces, as bebidas, enfim, que ali sobraram, traduzem o que em muitas de nossas casas acaba por se estragar, e na paróquia do Príncipe, dizia a minha interlocutora que, com a ajuda que de cá é enviada, garante-se ao menos uma refeição por dia ás crianças que nem isso teriam...

O mundo em que nós vivemos, aquele que se diz globalizado ignora não só os fossos profundos que nele já existiam, mas também aqueles que a própria globalização tem criado, sendo certo que nesse mundo contam as nações, mas também cada um de nós.

Falando de uma certa família, dizia que em sua casa, os bens mais valiosos, preservados por isso desde há anos, eram uma bola e uma revista que há anos atrás alguém lhes tinha mandado, mesmo apesar de já estarem ambas muito velhas. As crianças dessa família, como todas as outras, porque vivem num outro mundo, não imaginam a realidade de outras crianças como as nossas. Se elas soubessem que as nossa crianças e adolescentes gastam por vezes num fim-de-semana aquilo que poderia ser o sustento da sua família durante o mês, quão tristes não ficariam... uma só mochila escolar dessas marcas mais apetecidas pela garotada, dá para assegurar uma refeição diária durante um mês a uma família de três a quatro pessoas no Príncipe, onde o ordenado de um médico é de 50 euros.

Naquela ilha a carência é tal, que, há um ano ou dois atrás, no final do tempo que lá esteve a pessoa que comigo conversava, as Irmãs que gerem os "recursos" de que dispõem para os mais pobres, conseguiram proporcionar um verdadeiro banquete de despedida aos que lá se encontravam em missão. Arranjaram uma galinha a que juntaram duas cenouras e uma lata de ervilhas que tinha ido daqui, permitindo que as dez pessoas à mesa se banqueteassem com carne.

Na Ilha do Príncipe é assim com muitos filhos de Deus. E mesmo ao nosso lado, neste tempo em que as pessoas só valem enquanto números para o deus moderno que é a economia, quantos não conheceremos a quem esse deus tirano apanhou em suas impiedosas malhas? Como lá longe em África, pode mesmo na nossa rua haver alguém que não sabe que Deus zela por ele, quiçá também nem saiba que é Ele quem age através de si, caríssimo leitor.

Que Deus leve estas palavras aos corações sensíveis e suscite em todos um maior sentido de co-responsabilidade e partilha, bastando para tal que resistamos ao espírito do consumismo que domina a nossa sociedade.

José Augusto Santos