Numa manhã de Sábado, a Ema e o marido tiveram que ir
à Baixa fazer umas compras por causa de uma boda que seria no fim-de-semana
seguinte. Quando passavam na Praça da Figueira, foram abordados por um rapaz
que pedia alguma moeda que lhe permitisse o suficiente para poder comer alguma
coisa, pois era já hora do almoço. Por sinal, não tinham consigo uma única
moeda. Fitando-o nos olhos, disse-lhe o marido da Ema: “Lamento não ter neste
momento nada para poder ajudar; lamento imenso”. E prosseguiram.
Aquele rapaz cativou o Augusto, e o comentário da
esposa, ao dizer: “Já viste, amor, um rapaz tão lindo, coitadinho...”, ajudou
ao desfecho da história.
Enquanto caminhavam, disse o Augusto à esposa: “De
qualquer modo temos que levantar dinheiro..., vou fazê-lo já, para dar alguma
coisa àquele rapaz”. Mas o tempo apertava, pois, as lojas estavam para fechar,
e o bom senso da Ema alertou-o para a tremenda falta de tempo que tinham para
preparar ainda tudo o que faltava.
Um pouco adiante, depois de entrarem numa loja e
enquanto era procurado o tipo de vestido pretendido, disse que ia a correr ao
Multibanco enquanto ela experimentava algum que achasse bem. Depois de obter
como resposta: “Estava muito admirada que o não fizesses...”, foi então
levantar dinheiro, indo de seguida ter com o rapaz. Sorrindo, abeirou-se dele e
disse-lhe: “Há pouco não podia, mas agora já posso, porque fui propositadamente
levantar para lhe dar”.
Pelo ar com que o Augusto foi recebido, verificou que
aquele rapaz ficou muito surpreendido, e o seu ar de espanto aumentou quando
viu que da carteira era tirada uma nota para lhe dar. Pela sua expressão,
parecia ler-se facilmente o seu pensamento, que seria algo do género: este tipo
está a brincar comigo... pois, parecia não acreditar que aquele dinheiro se
destinasse simplesmente a corresponder ao pedido que antes tinha feito. Depois
de alguma hesitação, parece ter-se convencido e acabou por aceita-lo. Enquanto
o fazia, fitou o Augusto o seu olhar, através do qual sentiu que lhe transmitia
uma esmola bem maior do que o valor do dinheiro. Em agradecimento, aquele
incógnito pedinte apertou a mão do seu benfeitor, e este, não conseguiu
dizer-lhe mais do que um “fique com Deus!"
Dois dias depois, nas escadas de acesso ao Metro do
Rato, uma rapariga também pedia. No meio do corrupio de gente, parou o Augusto,
abriu a mala, tirou a carteira e deu-lhe o que pôde, obtendo dela o natural
“muito obrigado”. Para arrumar de novo as coisas e não impedir a normal circulação
das pessoas, desviou-se um pouco para o lado e, antes de seguir, aquela jovem,
despedindo-se dele, dirigiu-lhe um afectuoso olhar, sorridente, de
agradecimento.
A falta de tempo, mas mais a falta de coragem para
isso, impediram o Augusto de tentar conversar um pouco com aquela jovem, por se
tratar de uma jovem muito bonita, não fosse ela pensar que a esmola era apenas
um pretexto, e acabou por ficar com pena de não o ter tentado, recriminando-se
por isso.
Quarta-feira seguinte, não estando ainda concluídos os
preparativos para a tal boda, tiveram que ir ao fim do dia, desta vez
acompanhados dos filhos, a um grande centro comercial.
No regresso, estando parados num semáforo, verificaram
que outro filho de Deus pedia esmola aos automobilistas que aguardavam que o
sinal abrisse. E antes de chegar próximo deles, voltou para trás sem nada ter
conseguido. Porque o sinal estaria prestes a abrir, o automobilista abriu o
vidro e chamou-o. Enquanto o pedinte se assomava ao carro, comentou a Ema:
“Olha os olhos deste rapaz! Filha, olha que olhos tão lindos!...”
Aquele condutor deu-lhe o que pôde. E enquanto o
pedinte segurava o dinheiro, apertou-lhe aquelas mãos muito sujas, enquanto lhe
dizia, procurando falar para o interior da sua alma através das janelas que são
os olhos: “fique com Deus”.
Com as mãos meio colocadas em gesto de oração,
curvou-se o rapaz enquanto respondia: “Obrigado, senhor! Senhor, muito
obrigado!”
Já com o carro em andamento, volta a Ema: “Vistes bem
os olhos dele? Que lindos!...” E o marido acrescentou que não eram apenas os
olhos, mas todo o seu rosto. Como era bonito aquele rapaz. O Augusto ficou com
a sensação de ter dado uma esmola ao próprio Jesus.
Com as lágrimas a romperem, aproveitou o facto para
dele fazer um momento de catequese, dizendo, como que para justificar as
lágrimas que à primeira vista podem parecer fruto de sentimentalismos
exagerados, que, “este género de lágrimas acontecem sempre que sentimos o amor
de Deus fluir para os seus filhos através de nós».
Com o título, outra coisa não pretendi senão provocar
o leitor, como logo terá deduzido pelo desenrolar da história, toda ela
verídica.
A locomotiva da caridade é a compaixão em Cristo.
Pouco fazem aqueles que, praticando o bem, não são movidos por esse impulso.
Dessa forma, o bem praticado pode estar muito longe de um acto de amor, não
passando, por isso, de simples filantropia.
Àquilo que a
toda a hora as televisões mostram, até em programação para pré-adolescentes, é
rara a pessoa que não designa, aquilo que vê, como acto de “fazer amor”. E nem
se dá conta que só o Diabo pode levar a que o pecado seja assim chamado, ao se apropriar
descaradamente do sentido verdadeiro do termo, desvirtuando algo que Deus
outorgou ao homem, que é a capacidade de amar. Portanto, quando estamos perante
a lascívia, a promiscuidade, a fornicação, se, relativamente a quem o faz,
dissermos que está a fazer amor, estamos a usar a linguagem do Diabo. Chamemos cada
coisa pelo nome!
Pois bem: fazer amor é tudo quanto relato atrás, e
tantos outros gestos que resultam do facto de em cada necessitado vermos um
filho de Deus. No homem, o amor não é mais do que o jorrar de uma fonte que tem
a sua nascente muito a montante, ou seja, no coração de Deus. É Daí, e só Daí
que provém a capacidade de o homem realizar o Bem, de fazer Amor.
Porque o homem é capaz do divino e ao divino está
ligado, convém que viva de acordo com o Amor. Quem procurar a Fonte de Água
Viva, tem que rejeitar tudo quanto é contrário ao bom alimento espiritual.
Esteja mais atento, estimado leitor, ao que provém de
Deus e ao que provém do Diabo. Viva de acordo com o Bem, e quando se pronuncia,
não troque o nome às coisas.
Abra-se ao Bem, para que da Fonte do Amor venha a
frescura necessária à sua vida, à sua família, ao seu lar.
Fonte:
SANTOS,
José Augusto, Fez amor com dois rapazes e
uma rapariga, in Notícias de Chaves, n.º 2935, p. 8, (10-8-2007)