sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O local do crime

Foi logo no primeiro dia na Terra Santa que o "escândalo" se deu.

Já na véspera, durante a viagem, na escala feita em Bruxelas, o sacerdote que acompanhou a peregrinação tinha confidenciado que aceitara o convite com muito sofrimento. Naquele momento, durante a Santa Missa que es­tava a celebrar no Monte Carmelo, explicou melhor o que o atormentava.

Começou o seu desabafo com uma história ocorrida talvez trinta anos antes. Conversava ele com um adoles­cente de 15 anos que já cumpria com o preceito domi­nical e procurava incutir-lhe o hábito da leitura diária dos Evangelhos. O rapaz rebela­va-se, pois só lhe interessavam os livros policiais de crime e mistério. "É disso mesmo que se trata", respondeu-lhe o sa­cerdote, "com a diferença de que, nesses romances, fica-se a conhecer quem é o crimino­so, mas nos Evangelhos não. Será Pilatos, Caífás, Herodes, os romanos, os judeus, os chefes dos sacerdotes?" O jo­vem não conseguia responder e estava curioso por conhecer o assassino. "Eu sei quem foi. Queres saber? Fui eu. Não fui eu sozinho, mas fui eu!"

Após um breve silêncio, o celebrante voltou a dirigir-se aos peregrinos:

- "Agora entendeis porque venho com o coração a san­grar: o assassino volta sempre ao local do crime."

Todas as pessoas que for­mavam o grupo sentiram-se cúmplices daquele acto he­diondo, não explicitamente, mas no mais íntimo do seu ser: nas suas consciências. A partir daquele momento, fi­cou bem definido o objectivo da jornada: tratava-se de uma peregrinação, não de uma viagem turística ou cultural. Até mesmo os elementos não praticantes do grupo começaram a participar de um modo muito mais profun­do nos momentos de oração conjunta e, nas tertúlias de­pois do jantar, animavam-se a fazer perguntas ao sacer­dote e a contar algumas curiosidades relacionadas com episódios do dia ou ex­periências passadas.

Finalmente, já em Jerusa­lém, o "Mistério" ia-se des­vendando. Rejuvenescia a Fé, surgia uma vontade firme de compromisso, novo ou mais generoso, com Cristo. Não aconteceram "milagres". Nada se passou de extraordinário. Ninguém sentiu medo. Pelo contrário; o seu desejo era tornarem-se mais amigos daquele a quem tinham mor­to. Mais uma vez, ali, no local do crime, iam surgir vidas novas.

Isabel Vasco Costa,
In Notícias de Chaves, nº 3152 (13-01-2012)