quarta-feira, 7 de abril de 2010

Crucifica-o!

Por JOÃO CÉSAR DAS NEVES*
In Diário de Notícias (5-4-2010)

Como Nero, os jornais hoje querem convencer-nos de que os padres comem criancinhas

Apedofilia é um crime horrendo. Pior se o criminoso for educador. Mais ainda se for clérigo. A prioridade em casos tão graves é prevenção, socorro às vítimas e punição exemplar. A Igreja Católica tem de ter regras muito claras para estes casos, e vigilância atenta e severa. E tem.

Então porquê o debate? Ele mistura dois crimes diferentes. As acusações de pedofilia vêm a par de outro crime, muito menos grave mas mais vasto, de difamação contra a Igreja.

Sabemos tratar-se de difamação porque os sintomas tradicionais são evidentes. Primeiro as acusações não se dirigem aos verdadeiros culpados. Quem realmente se ataca são, não pedófilos, mas o Papa, cardeais e bispos. Discute-se, não psicologia infantil, mas política eclesiástica.

Em segundo lugar utiliza-se um truque estatístico clássico. Tomam-se 50 anos, em todo o mundo e acumulam-se todos os casos encontrados. Desta forma demonstra-se o que se quiser; este é o método das provas "científicas" invocadas por horóscopos, charlatães e milagreiros. Empilham-se situações muito antigas e muito diferentes que, juntas, ninguém perde tempo a considerar com atenção. Conta só a imagem global. A imaginação faz o resto. Nunca se questiona a agregação de casos díspares ou a razão de surgirem todos de repente agora.

O terceiro sintoma é não se usarem os indicadores adequados: percentagens. Que peso dos criminosos no total dos sacerdotes? Muito mais importante, qual a percentagem destes casos no total dos abusos? Se o que nos preocupa são as crianças, este dado é decisivo. Os poucos estudos sociológicos sérios mostram que «no mesmo período em que uma centena de sacerdotes católicos eram condenados por abusos sexuais de menores, o número de professores de educação física e de treinadores de equipas desportivas (...) considerados culpados do mesmo delito nos tribunais americanos atingia os seis mil. (...) Dois terços dos abusos sexuais a menores não são feitos por estranhos (...) mas por membros da família» (www.cesnur.org/2010/mi_preti_pedofili.html). E omitem-se factos incómodos, como «80% dos pedófilos são homossexuais» (idem).

Descuidadas nos dados, as notícias fervilham de comentários e interpretações. Muitas antecedidas de frases como «até há quem pense…», o que permite colocar a seguir o que se quiser, pois há sempre quem pense o mais abstruso. Espanta que jornais respeitáveis entrem nestas práticas. Práticas cuja finalidade fica clara ao ler-se a conclusão invariável: «perda de autoridade moral da Igreja». Mas a autoridade da Igreja vem de outro lado. E que autoridade moral tem o jornal para dizer isto? O contexto é a guerra cultural. Parecendo combater a pedofilia, visa-se a promoção do aborto, eutanásia, divórcio, promiscuidade.

A prática é tradicional. Assim se criou há séculos o mito da Igreja sanguinária nas cruzadas e Inquisição. Tirando os casos do contexto, relacionando épocas diferentes e empolando os números, gerou-se a lenda do terror inquisitorial em que hoje ainda até muitos católicos acreditam. Não importa que os processos fossem rigorosos e transparentes, as condenações uma ínfima minoria dos casos julgados e pouquíssimas face às execuções civis, numa épocas de pena capital habitual. Julgadas em contexto cultural muito diferente, essas informações distorcidas e parciais criaram uma das maiores falsificações da História.

Nada disto anula os terríveis pecados cometidos, quer nos atropelos da Inquisição, quer nos indiscutíveis casos de padres pedófilos. Cada injustiça inquisitorial, como cada abuso de menor, é horrível e exige atenção e punição exemplar. Por isso Papa e bispos pedem desculpa e impõem responsabilidades.

Mas o que temos agora é outra injustiça, a de tentar degradar toda uma classe respeitável e, por arrastamento, a maior denominação religiosa do mundo, com acusações apressadas e distorcidas. Como Nero, os jornais hoje querem convencer-nos que os padres comem criancinhas. Como há 2000 anos, esta Páscoa é celebrada ao som do grito «crucifica-o, crucifica-o!»

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* Prof. Doutor, Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica Portuguesa

domingo, 4 de abril de 2010

As imagens segundo a Bíblia - Resposta às acusações feitas aos católicos

A Bíblia é um conjunto de vários livros (73), dos quais não devemos em grande parte concluir o sentido literal das palavras, mas existem outras confissões que pouco mais parece fazerem do que isso mesmo. A confirmá-lo estão todas as acusações que nos dirigem quando argumentam que na Bíblia está escrito que não devemos adorar as imagens. Até aí, não há qualquer diferença entre não católicos e católicos, pois, também nós conhecemos muito bem as proibições que sobre isso constam em diversas passagens da Escritura.

Certo dia falei com uma pessoa de uma igreja protestante sobre o tema e, em alguns aspectos, acreditei tê-la esclarecido. Um ou dois dias depois, refutando o que eu tinha dito, mostrava-me num pedaço de papel uma anotação ditada pelo pastor da igreja onde tinha ido, para provar que nós continuamos errados. Convida-me então a ler o Sl 135, 15-17, e Is 44, 15-17, que dizem respectivamente:

Sl 135, 15-17: «Os ídolos dos gentios não passam de ouro e prata, obras das mãos do homem; têm boca e não falam, têm olhos e não vêem, têm ouvidos e não ouvem, nem há qualquer respiração na sua boca» (o mesmo podemos encontrar em Sl 115, 4-7).
Is 44, 15-17: As pessoas usam essa madeira para o lume, para se aquecerem ou cozerem o pão para matar a fome. Porém ele faz um deus e adora-o, fabrica uma imagem e prostra-se diante dela. Queima no fogo metade desta madeira, assa a carne sobre as brasas e come-a até se saciar. Depois, aquece-se e diz: «Bom! Estou quente e tenho luz!» Do resto faz a imagem de um ídolo, adora-o e dirige-lhe esta oração: «Salva-me, porque tu és o meu deus!»

Interpretar à letra o que foi escrito numa determinada época, dentro do contexto cultural e religioso de então, parece-me ser uma ofensa à própria história da religião. Por outro lado, desde que estejamos atentos à catequese de cada texto ou passagem bíblica, facilmente constatamos a actualidade da mensagem, dada a intemporalidade da lei – porque intemporal é o seu Autor.

Para ajudar a este raciocínio, suponhamos que o que está escrito sobre a condenação à idolatria tenha sido escrito na actualidade para nós os católicos, por sermos o povo de Deus que continua a prevaricar na idolatria, não obstante a Revelação do próprio Deus Filho. Assim, se a Bíblia continuasse agora a ser escrita à semelhança dos livros da história das nações, não poderia deixar de condenar os ídolos ou deuses da actual sociedade, incluindo, por certo, uma veemente condenação à deusa criada pelos governos, a economia, que transforma o homem em simples número estatístico; às abismais assimetrias sociais geradas pelo primeiro dos pecados capitais que domina os poderosos, o que não queria dizer que Deus era contra o desenvolvimento social, pois estaria em desacordo com toda a história bíblica, onde vemos que a prosperidade é prometida a todo o povo que caminha sob a orientação do Criador. E falamos da prosperidade, mesmo dos bens materiais.

«Ninguém pode servir a dois senhores» (Mt 6, 24), mas, a riqueza, o protagonismo, o poder, a sensualidade, o luxo e o sexo, são apenas alguns desses outros senhores, ídolos com os quais se contamina o actual povo de Deus, povo que se deixa perverter pelo deus que seduz e domina o homem de hoje, esse deus que é o hedonismo.*

Sempre que um católico aceita falar sobre religião com alguém de outros credos ditos cristãos, não consegue evitar que esgrimam a famigerada questão das imagens, sempre com o “mas na Bíblia diz...”, citando algumas passagens previamente estudadas para o efeito. Aquela que por alguns é mais usada, e que pode de certa forma representar todas as outras em resumo, encontra-se em Deuteronómio:

«Não terás nenhum outro deus além de mim. Não farás para ti nenhuma imagem esculpida, seja do que está no alto do céu, ou em baixo, sobre a terra, ou nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não as adorarás, porque Eu, o Senhor, sou o teu Deus». (Dt 5, 7-9a)

O erro dos nossos acusadores reside no facto de não atenderem ao factor da osmose cultural e religiosa entre o povo escolhido e os povos com os quais vivia, dada a facilidade com que adoptava os seus ídolos, voltando costas Àquele que o libertou de uma escravidão de 400 anos. Para não cairmos no mesmo erro dos que nos acusam, devemos ter em conta que, há 3200 anos Deus assim falou, porque naquele tempo a concepção caldaica** do mundo dividia-o em três regiões: o céu por cima, a terra por baixo e as águas (abismo) debaixo da terra, sendo todas estas regiões povoadas por deuses; não esquecendo que os cananeus tinham por seus verdadeiros deuses imagens de homens e mulheres, os egípcios de animais e os mesopotâmios os astros, daí as palavras que encontramos em Dt 4, 16-19.

Vale a pena vermos um curioso episódio que pode ajudar a perceber as críticas aos falsos deuses lendo Dn 14, 1-22, e vermos como Daniel reagiu a uma invectiva do rei Ciro e como acabou com o culto ao deus Bel.

Resumindo:
- Deus sempre condenou (e continua a condenar) toda e qualquer espécie de idolatria.
- Proibiu a feitura de imagens que fossem tidas por deuses; porém, em parte alguma da Bíblia vemos que Ele tenha algo contra ou se oponha a elas, quando não são tidas como tal.

Prova irrefutável disso mesmo é o facto de até as mandar fazer, o que podemos constatar em várias passagens.

Em Ex 25, 18-22, Deus manda fazer do ouro mais fino dois querubins, como guardiões da Arca da Aliança; em II Cr 3, vemos que o rei Salomão mandou esculpir dois enormes querubins que foram revestidos do ouro mais fino, para adornarem o Templo, e isso agradou ao Senhor. Desde o Pentateuco aos livros históricos, são feitas várias alusões a favor das imagens, que podemos ver em Nm 7, 89; II Sm 6, 2; II Reis 19, 15; II Cr 3, 10; II Cr 7, 12-16, e outras.

Se os nossos acusadores estivessem certos, então teríamos que dizer que Deus se contradiz, uma vez que, se em Dt 4, 18a diz para não se fabricar «representação de qualquer réptil que rasteje pelo chão», como pode mandar Moisés fazer a imagem de uma serpente em bronze e colocá-la sobre um poste, para que todo aquele que tivesse sido mordido e olhando para ela, vivesse? (Cf. Nm 21, 8)

Quando conversava com Nicodemos, o próprio Jesus, fazendo referência ao que estava para lhe acontecer, compara o facto ao episódio da imagem da serpente que Moisés fez no deserto, para nos ajudar a compreender a catequese da Cruz (Cf. Jo 3, 14-15).
Passando da análise e necessária compreensão dos textos bíblicos para o nosso próprio dia-a-dia, ocorre-me concluir com um episódio que comigo se passou (já lá vão uns anos):

Terminado o serviço militar obrigatório, encontrava-me a várias centenas de quilómetros de uma jovem por quem me sentia enamorado. Sentado à lareira, segurava nas mãos o que era a sua imagem, uma fotografia. Olhando para ela, contemplava-a de uma forma que, uma das vezes, até levou a minha mãe a dizer: “És um tolinho!...” Outras vezes, olhando-me, sorria, enquanto acenava ligeiramente a cabeça, quando eu encostava aquela imagem ao peito.

Acredito que nem a pessoa mais ingénua ousaria dizer que eu amava aquela fotografia. Ela apenas me servia para me ajudar a lembrar da minha amada, o que me fazia recordar como me sorria, como me segurava a mão, como me olhava, enfim, como ela era.
Pela mesma razão, passei mais tarde a trazer na carteira mais duas imagens. Quando por vezes estava fora de casa e olhava um pouco para elas, sentia o quanto amava quem nelas estava representado, os meus dois filhinhos e sua mãe (aquela cuja fotografia serviu para que a minha mãe brincasse com o meu “estado febril”).

Na nossa paróquia, será habitual lembrarmo-nos de Santo Estanislau? Pois... não há nenhuma imagem dele...

Sirva este trabalho para remoção de eventuais dúvidas suscitadas em vós e para glória de Deus.

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* Sistema moral que considera o prazer como o supremo bem a atingir.
** A Caldeia era uma antiga região a sul da Mesopotâmia habitada pelos caldeus, cujo nome foi mais tarde utilizado para designar toda a Babilónia.

José Augusto Santos
(Catequista)