quarta-feira, 26 de outubro de 2011

"O ÚLTIMO SEGREDO"

O romance de José Rodrigues dos Santos, intitulado “O último segredo”, é formalmente uma obra literária. Nesse sentido, a discussão sobre a sua qualidade literária cabe à crítica especializada e aos leitores. Mas como este romance do autor tem a pretensão de entrar, com um tom de intolerância desabrida, numa outra área, a história da formação da Bíblia por um lado, e a fiabilidade das verdades de Fé em que os católicos acreditam por outro, pensamos que pode ser útil aos leitores exigentes (sejam eles crentes ou não) esclarecer alguns pontos de arbitrariedade em que o dito romance incorre.

1. Em relação à formação da Bíblia e ao debate em torno aos manuscritos, José Rodrigues dos Santos propõe-se, com grande estrondo, arrombar uma porta que há muito está aberta. A questão não se coloca apenas com a Bíblia, mas genericamente com toda a Literatura Antiga: não tendo sido conservados os manuscritos que saíram das mãos dos autores torna-se necessário partir da avaliação das diversas cópias e versões posteriores para reconstruir aquilo que se crê estar mais próximo do texto original. Este problema coloca-se tanto para o Livro do Profeta Isaías, por exemplo, como para os poemas de Homero ou os Diálogos de Platão. Ora, como é que se faz o confronto dos diversos manuscritos e como se decide perante as diferenças que eles apresentam entre si? Há uma ciência que se chama Crítica Textual (Critica Textus, na designação latina) que avalia a fiabilidade dos manuscritos e estabelece os critérios objetivos que nos devem levar a preferir uma variante a outra. A Crítica Textual faz mais ainda: cria as chamadas “edições críticas”, isto é, a apresentação do texto reconstruído, mas com a indicação de todas as variantes existentes e a justificação para se ter escolhido uma em lugar de outra. O grau de certeza em relação às escolhas é diversificado e as próprias dúvidas vêm também assinaladas.

Tanto do texto bíblico do Antigo como do Novo Testamento há extraordinárias edições críticas, elaboradas de forma rigorosíssima do ponto de vista científico, e é sobre essas edições que o trabalho da hermenêutica bíblica se constrói. É impensável, por exemplo, para qualquer estudioso da Bíblia atrever-se a falar dela, como José Rodrigues dos Santos o faz, recorrendo a uma simples tradução. A quantidade de incorreções produzidas em apenas três linhas, que o autor dedica a falar da tradução que usa, são esclarecedoras quanto à indigência do seu estado de arte. Confunde datas e factos, promete o que não tem, fala do que não sabe.

2. Chesterton dizia, com o seu notável humor, que o problema de quem faz da descrença profissão não é deixar de acreditar em alguma coisa, mas passar a acreditar em demasiadas. Poderíamos dizer que é esse o caso do romance de José Rodrigues dos Santos. A nota a garantir que tudo é verdade, colocada estrategicamente à entrada do livro, seria já suficientemente elucidativa. De igual modo, o apontamento final do seu romance, onde arvora o método histórico-crítico como a única chave legítima e verdadeira para entender o texto bíblico. A validade do método de análise histórico-crítica da Bíblia é amplamente reconhecida pela Igreja Católica, como se pode ver no fundamental documento “A interpretação da Bíblia na Igreja Católica” (de 1993). Aí se recomenda o seguinte: «os exegetas católicos devem levar em séria consideração o caráter histórico da revelação bíblica. Pois os dois Testamentos exprimem em palavras humanas, que levam a marca do seu tempo, a revelação histórica que Deus fez… Consequentemente, os exegetas devem servir-se do método histórico-crítico». Mas o método histórico-crítico é insuficiente, como aliás todos os métodos, chamados a operar em complementaridade. Isso ficou dito, no século XX, por pensadores da dimensão de Paul Ricoeur ou Gadamer. José Rodrigues dos Santos parece não saber o que é um teólogo, e dir-se-ia mesmo que desconhece a natureza hipotética (e nesse sentido científica) do trabalho teológico. O positivismo serôdio que levanta como bandeira fá-lo, por exemplo, chamar “historiadores” aos teólogos que pretende promover, e apelide apressadamente de “obras apologéticas” as que o contrariam.

3. A nota final de José Rodrigues dos Santos esconde, porém, a chave do seu caso. Nela aparecem (mal) citados uma série de teólogos, mas o mais abundantemente referido, e o que efetivamente conta, é Bart D. Ehrman. Rodrigues dos Santos faz de Bart D.Ehrman o seu teleponto, a sua revelação. Comparar o seu “Misquoting Jesus. The Story Behind who Changed the Bible and Why” com o “O Último segredo” é tarefa com resultados tão previsíveis que chega a ser deprimente. Ehrman é um dos coordenadores do Departamento de Estudos da Religião, da Universidade da Carolina do Norte, e um investigador de erudição inegável. Contudo, nos últimos anos, tem orientado as suas publicações a partir de uma tese radical, claramente ideológica, longe de ser reconhecida credível. Ehrman reduz o cristianismo das origens a uma imensa batalha pelo poder, que acaba por ser tomado, como seria de esperar, pela tendência mais forte e intolerante. E em nome desse combate pelo poder vale tudo: manobras políticas intermináveis, perseguições, fabricação de textos falsos… Essa luta é transportada para o interior do texto bíblico que, no dizer de Ehrman, está repleto de manipulações. O que os seus pares universitários perguntam a Ehrman, com perplexidade, é em que fontes textuais ele assenta as hipóteses extremadas que defende.

4. Resumindo: é lamentável que José Rodrigues dos Santos interrogue (e se interrogue) tão pouco. É lamentável que escreva centenas de páginas sobre um assunto tão complexo sem fazer ideia do que fala. O resultado é bastante penoso e desinteressante, como só podia ser: uma imitação requentada, superficial e maçuda. O que a verdadeira literatura faz é agredir a imitação para repropor a inteligência. O que José Rodrigues dos Santos faz é agredir a inteligência para que triunfe o pastiche. E assim vamos.

 Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
© SNPC 24.10.11

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Imaginem

Por Mário Crespo
in Livresco's Weblog

Imaginem que todos os gestores públicos das setenta e sete empresas do Estado decidiam voluntariamente baixar os seus vencimentos e prémios em dez por cento. Imaginem que decidiam fazer isso independentemente dos resultados.

Se os resultados fossem bons as reduções contribuíam para a produtividade. Se fossem maus ajudavam em muito na recuperação. Imaginem que os gestores públicos optavam por carros dez por cento mais baratos e que reduziam as suas dotações de combustível em dez por cento.

Imaginem que as suas despesas de representação diminuíam dez por cento também. Que retiravam dez por cento ao que debitam regularmente nos cartões de crédito das empresas. Imaginem ainda que os carros pagos pelo Estado para funções do Estado tinham ESTADO escrito na porta. Imaginem que só eram usados em funções do Estado.

Imaginem que dispensavam dez por cento dos assessores e consultores e passavam a utilizar a prata da casa para o serviço público. Imaginem que gastavam dez por cento menos em pacotes de rescisão para quem trabalha e não se quer reformar. Imaginem que os gestores públicos do passado, que são os pensionistas milionários do presente, se inspiravam nisto e aceitavam uma redução de dez por cento nas suas pensões. Em todas as suas pensões. Eles acumulam várias. Não era nada de muito dramático. Ainda ficavam, todos, muito acima dos mil contos por mês.

Imaginem que o faziam, por ética ou por vergonha. Imaginem que o faziam por consciência. Imaginem o efeito que isto teria no défice das contas públicas. Imaginem os postos de trabalho que se mantinham e os que se criavam. Imaginem os lugares a aumentar nas faculdades, nas escolas, nas creches e nos lares. Imaginem este dinheiro a ser usado em tribunais para reduzir dez por cento o tempo de espera por uma sentença. Ou no posto de saúde para esperarmos menos dez por cento do tempo por uma consulta ou por uma operação às cataratas.

Imaginem remédios dez por cento mais baratos. Imaginem dentistas incluídos no serviço nacional de saúde. Imaginem a segurança que os municípios podiam comprar com esses dinheiros. Imaginem uma Polícia dez por cento mais bem paga, dez por cento mais bem equipada e mais motivada. Imaginem as pensões que se podiam actualizar. Imaginem todo esse dinheiro bem gerido. Imaginem IRC, IRS e IVA a descerem dez por cento também e a economia a soltar-se à velocidade de mais dez por cento em fábricas, lojas, ateliers, teatros, cinemas, estúdios, cafés, restaurantes e jardins.

Imaginem que o inédito acto de gestão de Fernando Pinto, da TAP, de baixar dez por cento as remunerações do seu Conselho de Administração nesta altura de crise na TAP, no país e no Mundo é seguido pelas outras setenta e sete empresas públicas em Portugal. Imaginem que a histórica decisão de Fernando Pinto de reduzir em dez por cento os prémios de gestão, independentemente dos resultados serem bons ou maus, é seguida pelas outras empresas públicas.

Imaginem que é seguida por aquelas que distribuem prémios quando dão prejuízo. Imaginem que país podíamos ser se o fizéssemos. Imaginem que país seremos se não o fizermos.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Mesmo sendo padre, é tudo menos Católico

Por: José Augusto Santos,
in Notícias de Chaves, Nº 3137, de 30-9-11

«...contrariamente ao que se diz, que há falta de padres, eu digo que há padres a mais, porque o que realmente falta são bons padres.»

      No dia 2 de Setembro, depois de ler uma breve notícia no Correio da Manhã, disse para mim mesmo que era desta que eu tinha que deitar mão ao assunto. Dois dias depois, na Missa dominical, a mensagem desse dia não podia ser mais a propósito (Ez 33, 7-9; Mt 18, 15-20) para me obrigar a decidir.
      O assunto, pois claro, é o padre Fontes e seu paupérrimo e desastroso ministério. Pelo sacramento da Ordem, foi constituído ministro sagrado de Cristo para apascentar o Seu rebanho. O que é que ele fez entretanto ao poder que lhe foi conferido há 46 anos? Abafou-o, para se entregar à imundice do pecado. O Diabo cegou-o. Fê-lo negar a doutrina da Santa Igreja e atraiu-o para os seus enganos, para a sua igreja, que é em parte constituída pelo esoterismo, o ocultismo e toda a espécie de bruxarias.
      Padres houve que, fechando o coração aos impulsos neles gerados pelo Espírito Santo, trocaram o amor a Cristo por amores mais terrenos e acabaram por renunciar ao ministério sacerdotal, enquanto que o indigno padre Fontes, mesmo amantizado com o Diabo, continua como padre…
      Sr. António Lourenço Fontes: por mim pode continuar a ser aplaudido e homenageado, pode até vir a ser constituído membro das Ordens Honoríficas, o que já não pode é continuar com os seus sofismas enquanto padre. Não pode continuar a conduzir os seus paroquianos, e outros que lhe dão ouvidos, pelo caminho do erro e com isso levá-los consigo à perdição. Nas suas homilias, pode até falar do bem, mas para si, a ascese é coisa sem sentido, coisa apenas dos textos hagiográficos. Se assim não fosse não seria possível que um padre se assumisse como promotor de eventos que para si são certames culturais, mas que não passam, claramente, de caminhos que conduzem a práticas abomináveis para Deus (cf. Dt 18, 10-12a) e que são a antecâmara do satanismo.
      Penitencie-se, e peça ao Espírito Santo que restaure em si os Dons necessários para poder regressar ao inefável amor de Deus! Ele, na Sua infinita misericórdia, recebê-lo-á com lágrimas de alegria. Caso contrário, depois de aqui na terra ter recebido aplausos e medalhas, aquele que o seduziu irá galardoá-lo com um grande “medalhão”, talvez uma mó de moinho presa ao pescoço para o levar para as profundezas do inferno.
      Atolado como está na imundice infernal, não lhe será fácil a Conversão. Peça por isso aos Santos e às almas piedosas que intercedam por si. Mas se tenciona persistir no erro, tenha por uma vez o mínimo de dignidade e renuncie ao ministério sagrado, pois contrariamente ao que se diz, que há falta de padres, eu digo que há padres a mais, porque o que realmente falta são bons padres.
      A si, Sr. António Lourenço Fontes, penso que nada mais me resta dizer-lhe senão reiterar aquilo que já dizia atrás: para bem das almas e da Igreja de Cristo, para a sua própria salvação, Converta-se! Mas se não consegue viver sem a fétida popularidade que o Diabo lhe deu, renuncie ao ministério sagrado, porque ainda que continue a dizer-se padre, há muito que deixou de ser sacerdote do Altíssimo!
      Voltando-me agora para si, caríssimo leitor, se se diz Católico não pode escandalizar-se com estas minhas palavras. Pense no que diria o próprio Jesus, depois de ter dito a Pedro: «Afasta-te, Satanás» (Mt 16, 23), em circunstâncias que para nós, estou certo, não veríamos motivo para tal… Se elas estão a merecer a sua indignação, será a altura de aprofundar o conhecimento sobre os pilares que sustentam a Igreja de Cristo, e então verá que o padre Fontes não passa de uma triste e muito tosca figura de sacerdote, de um grande herege e sincretista em vestes de padre.
      Sincretista, porque no seu caldeirão de bruxo-mor (é o que parece nas imagens já televisionadas) faz um caldo com o esoterismo, a religião, algum misticismo e o sagrado. E herege porque nega, não apenas um, que já seria o bastante, mas vários dogmas.
      Na sua “carta de apresentação” na internet, referindo-se ao CMP de Vilar de Perdizes, diz que «foi como que a arte de sacralizar o profano, e profanar o sagrado».
      Sacralizar o profano, é o que a Igreja sempre tem feito ao longo dos séculos para tornar digno aquilo cujo fim é servir ao culto a prestar a Deus. Nesta afirmação, o padre Fontes parece fazer-nos crer que ele, com algumas benzeduras, e o próprio Congresso, têm tornado sagrado o que era profano… Só mesmo do inferno poderia vir tanta petulância e descaramento em querer fazer passar os Católicos fiéis por mentecaptos.
      Já quanto à arte de «profanar o sagrado», qualquer um reconhece que é o que melhor têm feito e da forma mais eficaz. Disso se pode gabar. Pode ainda gabar-se de conseguir o paradoxo que é o viver mergulhado no paganismo que promove, enquanto continua como padre.
      O seu sentido do sagrado está completamente distorcido. Se diz que há «carência duma religiosidade mais palpável, sensível, menos espiritualista, mais virada para os problemas humanos e menos para os ritos dominicais monocórdicos», o homem perdeu completamente o juízo. Só a análise desta frase dava “pano p’ra mangas”. Cingindo-me porém e apenas a uma brevíssima referência aos ditos «problemas humanos», que o padre Fontes mostre a sua obra em favor dos pobres, e eu lhe direi do incansável trabalho que a Igreja sempre tem feito nessa área! Só assim fala quem é falacioso, quem tem a desfaçatez de afrontar a verdade dos factos.
      O padre Fontes é tudo menos Católico. Pode dizer-se que a sua religião roça o arianismo, passa pelo nestorianiosmo e abarca o luteranismo e o calvinismo, sendo bem provável que simpatize com o panteísmo. Por isso não erra quem disser que ele é cismático, uma vez que o cisma, é «a recusa da sujeição ao Sumo Pontífice ou da comunhão com os membros da Igreja que lhe estão sujeitos» (CDC Cân. 751). Para o povo, porém, passa despercebido como cismático porque continua a ocupar o lugar e a ser visto como um padre católico.
      É herege, na medida em que nega a Verdade que à Igreja foi revelada, tenha ela sido definida dogmaticamente ou não. A definição dogmática é o pronunciamento definitivo, infalível e irrevogável de verda­des da fé ou da moral como reveladas, feito pelo supremo magistério da Igreja (Papa ou Concílio Ecuménico com o Papa, cf. CDC Cân. 749; CIC 889-891). E uma das grandes heresias do padre Fontes, ditas ao Correio da Manhã no início do último Congresso MP de Vilar de Perdizes, é o negar que o Diabo existe, ao dizer que «o Diabo é uma fantasia, uma figura mítica criada pelo medo e para explicar o mal que não sabemos explicar».
      Importa aqui ressalvar que, as verdades que são objecto de fé ca­tó­lica não se limitam às dog­maticamente definidas, pois muitas outras são transmitidas pela Tradição e ensinadas pelo magistério ordinário universal da Igreja (cf. CDC Cân. 892). Por isso a existência do Diabo nunca foi matéria que carecesse de discussão e subsequente aprovação em concílio ecuménico algum, porque a própria Bíblia, o próprio Jesus muitas vezes, nos falam desse maléfico ser, razão pela qual, negá-lo, continua a ser uma heresia.
      Quem diz que o Diabo não existe, diz o mesmo sobre o inferno. E por causa das controversas ideias sobre esse lugar de perdição eterna, foi a questão da sua existência objecto de discussão e subsequente declaração como verdade de fé católica, quer dizer, universal, a todos nos colocando sobre o dever de aceitação (cf. CDC Cân. 750, 754).
      Todo o baptizado que não aceita uma Verdade divinamente revelada, definida ou não dogmaticamente, ou até que dela pertinazmente duvide, comete o grave pecado de heresia, que a linguagem jurídica designa de delito e para o qual está prevista a pena de excomunhão latae sententiae. Isto quer dizer que a pessoa se auto-excomunga, ao colocar-se em não comunhão com a Igreja. Trata-se por isso de um delito que clama pelo pronunciamento da autoridade eclesiástica, a partir do momento que a pessoa tenha conhecimento do delito e nele persista, gerando com isso o escândalo nos fiéis.
      Usando as próprias palavras escritas pelo padre Fontes na sua página da internet quando parece referir-se a aparições, assisto com tristeza ao incólume desenvolvimento das suas actividades “culturais” que «geram um movimento inconsciente de massas e que pode arrastar a tolerância ou incapacidade de intervenção das autoridades religiosas e outras.» Por isso, rezo para que o Bispo se revista das forças necessárias à aplicação das medidas que se impõem, e para que a CEP, no âmbito das suas competências e deveres, não fique de braços cruzados.
      Todos vós, ministros sagrados, lembrai-vos das palavras de S. João Bosco: «Um Padre, ao Paraíso ou ao inferno nunca vai sozinho: vão sempre com ele almas em grande número, ou salvas pelo seu santo ministério e com o seu bom exemplo, ou perdidas pela sua negligência no cumprimento dos próprios deveres e pelos seus maus exemplos.
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Nota: Ver filme em http://www.youtube.com/watch?v=FYtw-mUuFbg