Há
coisas que continuam a ser muito estranhas para mim. Uma delas é a importância
das palavras. Ou melhor, a importância que lhes é atribuída, conforme quem as
profere ou escreve, dependendo do estatuto ou do grau de responsabilidade do
seu autor, como todos sabemos.
Palavras
escritas ou ditas por quem está investido de autoridade, podem significar para
um indivíduo, um organismo ou toda a sociedade, uma simples recomendação ou o dever
de cumprimento. Depois e para além destas, há as que ouvimos dos amigos, da
boca do povo e as dos agora designados fazedores de opinião. Quais delas as
mais importantes? Uma pessoa inteligente poderá dizer que, pertencendo umas e
outras ao campo estrito da opinião, lhe atribui simplesmente a importância da
ideia veiculada, independentemente da sua origem.
Quantos
de nós já ouviram ou leram palavras que lhe foram dirigidas, fossem elas de
estímulo, de encorajamento, ou mesmo de correcção, palavras essas que tocaram
alguns dos pontos sensíveis em nós e mexeram connosco, levando-nos a ver as
coisas de maneira diferente?
Quantas
vezes esses diferentes pontos de vista nos foram dados por pessoas simples,
como nós, gente do povo? Sempre, dirá a maioria. Se um de nós disser que a
pandemia vai deixar marcas no sentido de acentuar a já tendência comportamental
de algumas pessoas, que a somar a outros medos as vai levar a distanciarem-se
ainda mais, a ponto de até a própria ideia de socialização lhes causar sério desconforto,
havendo por isso necessidade de estarmos mais atentos a essas pessoas, que
importância, que peso é que podem ter essas nossas palavras? E se, exactamente
as mesmas, forem ditas por figuras públicas? Ah, pois, aí a coisa muda de
figura. E muda porque o que para nós conta não são as ideias ou pensamentos, o
que conta é o estatuto ou importância da pessoa, ficando aí demonstrada a nossa
pequenez.
Chegados,
pois, ao ponto em que nos encontramos, ao dos sacrifícios a que fomos chamados
para estancarmos a pandemia, defrontamo-nos com a controversa questão das
celebrações comemorativas do 25 de Abril. Em defesa da sua realização nos
moldes de sempre, ainda que com menos participantes, ouvimos coisas que só
confirmam a ideia que tenho de alguns políticos convencidos que a sua opinião
está acima de tudo e de todos, mesmo sabendo que o poder de um órgão de
soberania como o da AR não é conferido por eles, mas emana do poder do próprio
povo. E quando, em defesa das comemorações na AR, ouvimos frases do género: A
democracia não está suspensa, é caso para perguntar se esse será o sentimento
dos familiares e amigos dos que têm falecido, quando lhes é negado o direito e
a liberdade de deles se despedirem, apesar de num espaço aberto, como é um
cemitério, poderem estar muitas pessoas sem pôr em causa as distâncias de
segurança; se será esse o sentimento de quem ficou impedido das celebrações
litúrgicas e dos sacramentos, apesar de ser possível mate-las, observando os
cuidados necessários.
Pois é.
Na boca de muitos políticos, a liberdade é um bem a defender a todo o custo. O
que vemos, porém, é que, para eles, liberdade tem um sentido diferente daquele
que tem sido demonstrado por este povo exemplar, povo que para muitos políticos
apenas serve de escadote para subirem.
Com a
pandemia, os portugueses (fora os políticos, porque a pátria deles é a
partidária), têm demonstrado o que para si significa liberdade. E têm-no
demonstrado na forma como a liberdade melhor se pode exprimir, que não é no
poder expressar-se livremente, nem muito menos no poder satisfazer vontades,
mas agindo da forma como tem que ser, ainda que tal exercício faça doer.
Eu e a
maioria dos portugueses, pese embora a aparente contradição, apesar de pais e
filhos e avós e netos termos deixado de estar em família aos fins-de-semana,
nem noutros dias podermos ir a casa uns dos outros, continuamos Livres, na medida
em que cortamos todas as amarras que pudessem prender-nos a vontades ou
pensamentos egoístas que por vezes sugerem outra forma de agir, enquanto que muitas
das grandes figuras da nação (e seus seguidores), ao se verem contestadas pela
forma como se propuseram celebrar o 25 de Abril, quais miúdos mimados e
birrentos que esperneiam se os outros não aceitam brincar segundo as regras
habituais, quando isso implicaria brincarem debaixo de uma forte chuvada,
rotulam de fascistas quem tem ideia diferente (é como diz a mulher de má fama à
colega de “profissão” quando outras mulheres dela começam a desconfiar:
Chama-lhes p…, antes que te chamem a ti!).
Posso
dizer por fim que os “donos” da democracia não são livres como pensam.
Sê-lo-iam se não fossem escravos de ideologias, se se libertassem das fortes amarras
que os impedem de agir como pessoas sensatas. Então sim que eu poderia dedicar
um minuto a ouvi-los quando falam de liberdade. Até lá, caso a televisão esteja
ligada e no canal que transmite as cerimónias, tirando o momento que para mim é
sagrado, o do Hino Nacional, continuarei a exercer a liberdade de usar os
botões do comando (desnecessário será dizer para quê).