quinta-feira, 21 de abril de 2011

Mais potente do que a medicação


Quarta-feira, 13 de Abril de 2011. Aproximando-se a hora da catequese de adultos, a Cristina, no momento em que estava a ser internada no hospital, informa o catequista da sua impossibilidade em estar presente, pedindo ao mesmo tempo a sua oração.
Ao iniciar a catequese, que sempre começa com oração, aproveitou mais uma vez o catequista para falar da importância da oração comunitária ou em grupo, pedindo que apresentassem aquela necessidade a Nossa Senhora, confiando que Ela saberia completar o que à oração deles pudesse faltar, e assim a levar com Seu perfume a Seu Filho Jesus.
No dia seguinte, o catequista telefonou à Cristina, ficando a saber que se encontrava no Hospital dos Lusíadas. Sexta-feira à tarde lá a procurou e fez-lhe uma visita. No decorrer da conversa, o catequista, dirigindo-se a uma senhora que com ela compartilhava o quarto, perguntou-lhe se não estaria a incomodá-la com a conversa, por perceber nela algum mal-estar. Respondeu-lhe a senhora que não, que até estava a gostar muito de ouvir. Foi então quando a Cristina explicou que ela estava muito nervosa…
Voltando-se o catequista da Cristina para a senhora, com ela estabeleceu um curto diálogo enquanto ela esperava que a fossem buscar para o bloco operatório. O seu interlocutor ficou a saber do historial de operações por que já tinha passado, por mais do que um cancro, percebendo claramente que o que mais a preocupava nem era tanto a saúde do corpo, mas da alma. Depois de lhe perguntar o nome, disse-lhe o visitante: - D. Isabel, saindo daqui, vou direitinho àquela pequena casinha onde Jesus está escondido para Lhe falar de si.
Entretanto entram no quarto dois profissionais de saúde para a levarem para o bloco; mas como tinham antes que preparar a senhora, disseram à visita para sair. Antes, porém, dirigiu-se ele à D. Isabel para dela se despedir, e, pensando que a estava a abraçar, sentiu que ele é que estava a ser abraçado. Entre o primeiro e o segundo beijo que deu à pobre senhora, aproveitou para lhe dizer: - Sossegue, D. Isabel, esteja sossegada... porque a inquietação era evidente.
Alguns momentos depois saíram do quarto com ela, na maca, mas a D. Isabel não chegaria ao bloco operatório sem antes voltar a cruzar o olhar com aquele desconhecido que no corredor a esperava. Não houve mais palavras dirigidas àquela sofrida filha de Deus, apenas um olhar envolto num ligeiro sorriso. Um olhar capaz de transmitir o sentimento de maior ternura, e por isso, logo seguido de um limpar de lágrimas que quiseram assomar-se à sua “janela”...
Regressando do hospital, o visitante acabou por não cumprir exactamente como prometera, o ir junto do sacrário apresentar as necessidades daquelas doentes, porque a hora já ia adiantada, e só na Santa Missa pode falar a Jesus da D. Isabel e da Cristina.
Dias depois (dia 21, Quinta-feira Santa), quando o catequista perguntou à Cristina pela D. Isabel, disse ela que as palavras e o abraço que a doente recebera surtiram nela um efeito mais potente do que qualquer medicação, na medida em que, no bloco operatório, nem o facto de ouvir falar nas brocas necessária à operação a deixaram mais ansiosa, porque se sentia inundada de uma grande paz e serenidade…
Caríssimo leitor, como vê, nós podemos ser portadores dos efeitos que nem a medicação consegue… Cada baptizado, se não for mero praticante de religião e fizer dela o caminho para encontrar Deus, há-de sentir Deus em si, e nessa altura será o bálsamo para as feridas dos que com ele se cruzam nas esquinas da vida. Por este episódio se vê que até nem custa nada… Sabemos bem que a nós nos pode parecer coisa insignificante, mas como quem melhor pode avaliar é quem recebe, mesmo que nos pareçam migalhas não as desperdicemos, dado que há famintos para quem umas migalhas fazem toda a diferença entre o nada e alguma coisa.

terça-feira, 5 de abril de 2011

A criança e o tio, e a procissão da Sagrada Família

Era Quinta-feira, 17 de Julho, do ano 1997, um dia como tantos outros, mas diferente para o Victor Manuel, que, num grave acidente de trabalho, originado por uma queda de nove metros de altura, passou à ténue fronteira que se situa entre a vida e a morte.

Do trágico acidente, resultaram-lhe fracturas graves na bacia, clavícula esquerda e toda a parte dorsal do mesmo lado, com fracturas em quase todas as costelas.

Na mesa de operações, depois de diagnosticados traumatismos em vários órgãos, como o sistema hepático, foi-lhe retirado o baço. Mas porque o seu estado era demasiado crítico, os médicos nada mais puderam fazer para além de procurarem retardar-lhe a morte, ligando-o às máquinas que permitem manter o estado de coma por tempo indeterminado.

À mãe, procuraram poupá-la do prognóstico, mas para uma irmã que o acompanhava mais de perto, foram peremptórios, dizendo-lhe que se preparasse para aquilo que só um milagre poderia evitar, e que fosse preparando a família.

A Inês, sobrinha do malogrado Victor, que tinha acabado de completar sete anos, tendo visto o tio naquele estado, foi sujeita a uma experiência que a levaria a estar na base dos acontecimentos que se seguiram.

Num povoado da Ericeira, onde a criança de expressivos olhos azuis passou a morar, houve no final de Agosto, daquele ano de 97, a procissão da Sagrada Família, na qual quis participar de princípio ao fim, o que constituiu algum sacrifício para a bisavó paterna, que teve que a acompanhar em todo o relativamente longo percurso.

Terminado o religioso cortejo e já no interior da igreja, saiu do lugar onde estava e, dirigindo-se lá à frente – não sei se aos pés do andor ou do altar de Nossa Senhora –, recolheu-se em oração.

Apreciando tão piedosa atitude, a bisavó, ao vê-la regressar ainda de mãos postas em gesto de oração, fez-lhe uma pergunta, cuja resposta foi tão simples quanto seria de esperar de uma criança: «Estive a pedir ao Jesus que tirasse o meu tio daquelas máquinas, porque eu não quero que ele esteja assim».

Entretanto, no hospital, o estado do Victor tinha-se agravado, facto que levou os médicos a decidirem fazerem-lhe uma traqueotomia, ou seja, abrirem-lhe um buraco na traqueia, impedindo assim que a morte lhe adviesse por asfixia.

Quando aquele dia de Domingo chegava ao fim (o dia da procissão), deixava de haver necessidade daquela derradeira intervenção, que era apenas uma última tentativa para retardar um pouco mais o que há muito era esperado, deixando ao mesmo tempo de fazer sentido que as máquinas continuassem ligadas, e acabaram por desligá-las.

Como nada fora comunicado a sua mãe, à hora da visita no dia seguinte, ao dirigir-se ela à cama do filho, recebeu o choque de ver a cama vazia…

Dirigiu-se ao telefone e ligou à filha a dar-lhe a notícia. Foi então que esta lhe deu conta do que no dia anterior se tinha passado com a pequena Inês e, ligando as coisas, apenas se limitou a constatar a irrefutável verdade, uma vez que, antes da procissão, seu irmão tinha piorado, quando se encontrava em coma, e depois dela, não só retrocedeu na caminhada para a morte que estaria eminente, como, pelo seu próprio pé – ainda que ajudado – saiu da cama, deixando todos aqueles tubos e passou a um sofá onde a mãe o foi encontrar bem refastelado.

Pouco mais de quinze dias depois, também eu fiquei muito surpreendido ao vê-lo na rua a sair do autocarro, quando regressava de uma consulta no hospital.

A Inês, que tinha manifestado aos pais vontade nesse sentido, entrou naquele ano para a catequese. E o mesmo fez seu tio Victor Manuel, com cinquenta anos, que passou também a preparar-se para o Baptismo, que viria a receber juntamente com outros adultos.

Nesta história, há um pormenor que julgo não poder deixar de referir, que é o facto de, nos sete ou oito anos anteriores ao grave acidente, ele se deslocar à Ericeira para participar naquela procissão, o que fazia com devoção.