segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Temos que ser pais “maus”

O texto que se segue, que me chegou por e-mail em formato power point, foi publicado (ainda segundo essa mesma apresentação) por ocasião da morte de Tarcila Gusmão e de Eduarda Dourado, ambas de 16 anos, em Maracaípe – Porto de Galinhas (Brasil). Depois de 13 dias desaparecidas, as mães revelaram desconhecer os proprietários da casa onde as filhas tinham ido curtir o fim-de-semana. A tragédia abalou a opinião pública e o crime permanece sem resposta (à data da publicação no Brasil).

O professor de Ética e Cidadania da escola Objectivo/Americana, Sr. Roberto Candelori, aproveitou este texto para dá-lo a todos os alunos da sala de aula, para que o entregassem a seus pais. A única condição solicitada pelo professor foi de que cada aluno ficasse ao lado dos pais até que terminassem a leitura.


MÃES MÁS
(Dr. Carlos Hecktheuer, médico psiquiatra)

«Um dia quando os meus filhos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e mães, eu hei de dizer-lhes:

- Eu amei-vos o suficiente para ter perguntado aonde vão, com quem vão e a que horas regressarão.

- Eu amei-vos o suficiente para não ter ficado em silêncio e fazer com que voçês soubessem que aquele novo amigo não era boa companhia.

- Eu amei-vos o suficiente para vos fazer pagar os rebuçados que tiraram do supermercado ou revistas do jornaleiro, e vos fazer dizer ao dono: “Nós tirámos isto ontem e queríamos pagar”.

- Eu amei-vos o suficiente para ter ficado em pé, junto de voçês, duas horas, enquanto limpavam o vosso quarto, tarefa que eu teria feito em 15 minutos.

- Eu amei-vos o suficiente para vos deixar ver além do amor que eu sentia por vocês, o desapontamento e também as lágrimas nos meus olhos.
- Eu amei-vos o suficiente para vos deixar assumir a responsabilidade das vossas acções, mesmo quando as penalidades eram tão duras que me partiam o coração.

- Mais do que tudo, eu amei-vos o suficiente para para vos dizer NÃO, quando eu sabia que vocês poderiam me odiar por isso (e em alguns momentos até odiaram).

Estas eram as mais difíceis batalhas de todas. Estou contente, venci… Porque no final vocês venceram também! E qualquer dia, quando os meus netos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e mães; quando eles lhes perguntarem se a sua mãe era má, os meus filhos vão-lhes dizer:
“Sim, a nossa mãe era má. Era a mãe mis má do mundo… As outras crianças comiam doces no café e nós só tínhamos que comer cereais, ovos, torradas. As outras crianças bebiam refrigerantes e comiam batatas fritas e sorvetes ao almoço e nós tínhamos que comer arroz, feijão, carne, legumes e frutas.

Tinha que saber quem eram os nossos amigos e o que nós fazíamos com eles.

Insistia que lhe disséssemos com quem íamos sair, mesmo que demorássemos apenas uma hora ou menos.

Ela insistia sempre connosco para que lhe disséssemos sempre a verdade e apenas a verdade.

E quando éramos adolescentes, ela conseguia até ler os nossos pensamentos. A nossa vida era mesmo chata!

Ela não deixava os nossos amigos tocarem a buzina para que saíssemos; tinham que subir, bater à porta, para ela os conhecer.

Enquanto todos podiam voltar tarde da noite com 12 anos, tivemos que esperar pelo menos pelos 16 para chegar um pouco mais tarde, e aquela chata levantava-se para saber se a festa foi boa (só para ver como estávamos ao voltar).

Por causa da nossa mãe, nós perdemos imensas experiências na adolescência.

- Nenhum de nós esteve envolvido com drogas, em roubo, em actos de vandalismo, em violação de propriedade, nem fomos presos por nenhum crime.

FOI TUDO POR CAUSA DELA!

Agora que já somos adultos, honestos e educados, estamos a fazer o melhor para sermos “PAIS MAUS”, como a minha mãe foi. EU ACHO QUE ESTE É UM DOS MALES DO MUNDO DE HOJE: NÃO HÁ SUFICIENTES MÃES MÁS!

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Correram cartomantes, videntes e outros bruxos. Por fim o caso ficou resolvido.

Os pais de um meu colega, ao fim de quarenta e tal anos de casados separaram-se; ou melhor, a mãe teve que sair de casa porque o pai ameaçava matá-la, obrigando a que tal saída se fizesse com a roupa que tinha no corpo, nem lhe permitindo que lá voltasse, tendo para tal mudado a fechadura.

Aos filhos, dizia o pai, ai daquele que se metesse, pois a vítima dessa intromissão seria em primeiro lugar a mãe. Porque os planos eram definitivos, ao fim de algum tempo mudou de casa e de terra, para na nova casa acolher outra mulher, muito mais nova.

As coisas boas da vida, são insípidas para aquele que vive com o coração acabrunhado, constrangido por algum sofrimento. Era a falta da necessária paz ou tranquilidade que não permitia ao Rui aproveitar o momento, quando jantávamos na estalagem do castelo de Palmela.

Procurando não ferir as regras da boa educação, apressei a minha saída da mesa para ir ter com o Rui, receoso de que algo se estivesse a passar com ele. De facto, a razão pela qual ele saíra antes de poder dar-se o jantar como findo, não foi para desfrutar do aprazível lugar numa agradável noite de verão, mas por estar demasiadamente inquieto por algo que eu ainda desconhecia.

Foi então que, já irremediavelmente convencido de que tinha sido chamado a carregar com a triste sorte, o meu colega me expôs as razões da sua amargura.

Perante o seu sofrimento e tão manifesta impotência para restabelecer a normalidade, surge em mim, veloz, a certeza de que poderia ser reparável a situação apresentada.

Ocorreu-me pedir-lhe uma fotografia dos pais, certo de que com isso obteria melhores resultados junto daqueles a quem ia pedir que se juntassem a esta causa. Numa atitude própria de quem, em desespero, aceita toda e qualquer oferta, respondeu-me que já tinham tentado várias “pessoas entendidas” em vários pontos do país, sem êxito, mas que não lhe custava nada trazer a fotografia no dia seguinte e que, se conseguisse, me pagariam entre ele e os irmãos o que fosse necessário.

Para lhe devolver uma réstia da esperança que tinha perdido, disse-lhe que, não obstante as coisas já se encontrarem no ponto em que estavam, a reconciliação ainda era possível, sem no entanto lhe dizer o que ia fazer.

No dia seguinte, aquele pobre filho entregou-me a fotografia pedida, desconhecendo por completo se eu era mais um crente ou praticante das artes esotéricas (soa mais fino dizer deste modo do que dizer bruxarias).

Quando regressava a casa no final de um dia de trabalho, o meu pensamento era ocupado com o que via ser o sofrimento do meu colega, com tudo o que imaginava poder estar a viver sua mãe e, ao mesmo tempo, com aquela rotura matrimonial que as forças do mal conseguiram. Estava assim profundamente absorvido em tais pensamentos quando, no espaço mais interior do meu ser, se assim posso dizer, desabou uma torrente de emoção e, já com os olhos a darem sinal daquilo que estava a acontecer no meu interior, de uma forma tão estrondosa que devo ter sido ouvido em todo o Céu, gritei: Paaaai!!!

A oração que eu mesmo tenho experimentado como mais eficaz, dela dando aqui público testemunho para exortar aqueles que ainda crêem, é aquela que resulta da compaixão por quem se vê incapaz de se libertar da acção do Maligno, consciente ao mesmo tempo do quão amada por Deus continua a ser a pessoa, ainda que aos olhos do mundo seja culpada pelo mal de que sofre.

Depois de me ter dirigido a Deus Pai naquela tão peculiar forma de oração, apreensivo, olhei para as pessoas que comigo viajavam apinhadas no autocarro, e vi que ninguém estava a reparar em mim, sinal de que não houve repercussão do meu grito no espaço físico.

Estávamos no mês de Junho de 1993, e à semelhança do Mês de Maria, continuámos no meu bairro, onde germinava então a actual comunidade paroquial, a celebrar o Mês do Sagrado Coração de Jesus com a reza diária do Terço em comunidade*. No final do Terço, momento em que todos nos juntávamos às intenções particulares de cada um, mostrei aos presentes a fotografia daquele casal por quem pedi que uníssemos as nossas orações, depois de lhes ter dito o que se passava.

Alguém sugeriu que o fizéssemos todos de mãos dadas. Alguns rostos deixavam perceber alguma emoção, e a mesma pessoa que fizera a anterior sugestão, como que em resposta ao meu secreto desejo, propôs que fizéssemos todos, uma novena. Ainda esta não tinha terminado, quando, felicíssimo, o meu colega se me dirige a perguntar quanto me devia, mostrando-se ao mesmo tempo curioso em saber quais os métodos que usei, pois, se já tinham corrido tudo quanto era “gente entendida”, gasto com isso algumas somas, e nada dos resultados esperados...

Contente, respondi-lhe com um sorriso, ficando-me por aí, por entender que não era ainda o momento para ele receber a catequese do acontecimento. E quanto aos métodos, disse-lhe serem os mais simples e ao mesmo tempo os mais eficazes.

Alguns dias depois voltou ao assunto, dizendo que não conseguia entender a mudança radical que houvera no pai, que foi repentina, de um dia para o outro...

Entendendo que já seria o momento oportuno, disse-lhe então como tudo acontecera. A partir dali, também a sua vida mudou. Passou a ver os seus problemas pessoais e familiares numa perspectiva cristã, e juntamente com a esposa e a filha, passaram a fazer da missa e outros sacramentos prática habitual.

A compaixão, que está na origem de todo o impulso que toca verdadeiramente o Coração de Deus, é hoje negada e esvaziada do seu verdadeiro sentido cristão por alguns “filósofos” que abundam na própria Igreja, como se já não bastasse o mal causado por quantos estão declaradamente contra Ela, que, esses sim, vertem todos os dias do muito que sobra à sua "sabedoria".

Sirva este caso como farol para muitos que procuram a solução para os seus problemas, e os que se sentem incapazes para levarem por diante o combate que há-de erradicar o mal, procurem um piedoso sacerdote de Cristo, tapando os ouvidos a todos quantos possam indicar soluções fora d'Ele.

Que a Sua Paz desça aos corações mais atribulados dos leitores.

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* Na minha comunidade paroquial, já só se celebra o Mês de Maria, parece que Jesus ainda não tocou muitos corações...

sábado, 16 de agosto de 2008

O bem que não vemos quando só olhamos o exterior

Como num infindável número de lugares, decorria também na minha comunidade paroquial o arraial de S. João. Confraternizando com uns enquanto comia a sardinha e o caldo verde, fui depois saudando este ou aquele, estando com outros um pouco mais. Coisa muito simples, o estar um pouco com alguém, mas para mim muito importante, sempre que consigo situar-me com a pessoa fora do corriqueiro, do banal, como é a tendência de estarmos sempre a sermos comentadores sem convite das coisas que mais respeito dizem à vida particular de alguém, das questões futebolísticas, novelescas ou outras do género.

Foi assim que me dirigi à D. Cecília, pedindo-lhe para me sentar junto dela, dado que estava sozinha e com uma carinha que não era a melhor. Nos escassos minutos que com ela estive, soube que o número de operações a que já tinha sido sujeita, já ia em doze, mais quatro, portanto, do que aquelas de que eu tinha conhecimento.

Pude ainda saber que, apesar de ser pessoa muito doente, a D. Cecília, quando deveria estar muito sossegada a convalescer da última operação, ainda se empenhou, muito para além do que seria suposto serem as suas forças, em ajudar à resolução de um sério problema de ordem social e higiénico-sanitária de um casal que vive próximo. Como admiro a D. Cecília! Pessoa com uma cruz tão pesada, e consegue transporta-la sem que aqueles com quem se cruza diariamente dela se apercebam.

Passando por outra mesa, para trocar um carinhoso abraço com uma amiga sobre quem também já escrevi (aquela viúva que na juventude “fugia” à mãe para ir tratar dos leprosos), aproveitei para conhecer um senhor que com ela se encontrava, dado que o conhecimento que dele tinha era apenas o vê-lo por vezes na Missa. Foi-me então apresentado o Sr. Borges, a quem perguntei o seu nome próprio. Esta minha amiga, entre outras coisas, disse-lhe que eu era catequista, ficando eu a saber que também ele o quis ser.

Quando seus filhos eram jovens, o Sr. Álvaro, é este o seu nome próprio, fazia com que outros jovens da aldeia fossem frequentando a sua casa, procurando assim ir sendo a luz possível nos caminhos tão inseguros dos jovens. Com os filhos já maiores e chegado à idade da reforma, viu-se liberto para poder dedicar-se a algo para o qual se sentia ser chamado. Disse então ao seu pároco que gostava de ser catequista.

Ao despedir-me do Sr. Álvaro, segurando carinhosamente em minhas mãos a sua mão, quis demonstrar-lhe o enorme respeito que me merecia, e beijei aquela mão que tanto bem já fizera em sua vida e continua a fazer. O que não lhe demonstrei, foi a tristeza que tive em saber que o seu pároco o impedira de se dedicar à catequese, alegando como desculpa o facto de a igreja ser fria, não sendo por isso boa para alguém em idade de reforma.

Vinte ou trinta anos depois, vim eu a conhecer o Sr. Álvaro, aproveitando ele agora todas as oportunidades que tem para ir a casa dos mais necessitados, auxiliando aquela minha amiga nesse trabalho de tanta entrega aos pobres. Nem os seus 87 anos o impedem de tão santo apostolado. Alguns dias depois, vim a saber que, ainda agora na sua terra, dificilmente alguém o encontrará em casa, porque anda sempre em Missão.

Não é de estranhar, portanto, que nenhum dos seus cinco filhos tolere aos irmãos que tenham em sua casa o pai um dia a mais do que a cada um pertence. Uma vez que está um mês em casa de cada um, aguardo com ansiedade o mês de Novembro, mês que penso que volte a calhar ao seu filho José, para eu fazer com os meus catequizandos um encontro que irá ser, não tenho dúvidas, marcante para todos nós, ao ser dirigido por quem sempre foi, afinal, catequista sem catecismo.

Soubesse, quem tem o poder para tomar decisões, reconhecer os possíveis mananciais de riqueza existentes em quem tem muitíssima mais experiência, e tudo quanto é área de actividade humana, não pondo de parte a eclesial, mais enriquecedoramente convergiria para o bem comum, mas, infelizmente, pululam por todo o lado pessoas como o outrora pároco do Sr. Álvaro…

Na sociedade, para aqueles que chegaram à idade da reforma, parece não haver mais lugar, desperdiçando-se assim tanta riqueza. Quão estultos são aqueles que parecem ter uma fixação pelo conceito de renovação, aplicando-o à melhor de todas as "matérias-primas", o capital humano.

A velhice confere autoridade, e prestígio os cabelos brancos que levaram uma vida íntegra, assim diz o Senhor, Deus, no segundo livro dos Macabeus (Cf. 2Mac 6, 23), dizendo ainda no livro de Job que, pela longevidade se chega à sabedoria (Cf. Jb 12, 12), mas nas sociedades ditas modernas, até a Palavra de Deus se procura reciclar, ficando apenas aquilo que não incomode as consciências... e o que é ainda mais grave, é o serem os próprios ministros sagrados que só parece preocuparem-se com agradarem ao povo, preocupando-se bem menos que o seu ministério seja do agrado de Deus. Tratam apenas do exterior, e agradados com o prestígio que daí lhes pode vir, deixam de ser capazes de chegar ao interior das almas, que é afinal a primeira e última razão do seu ministério.