terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

A morte asistida é isto!


Testemunho publicado pela Dra. Patrícia Nave, dia 21 de Fevereiro, em sua página do FB

«O Rui tem 60 anos e tenho-o acompanhado em consulta por uma situação reactiva à doença oncológica da esposa, Luísa. Um cancro daqueles bem agressivos, já com metástases na cabeça. O Rui voltou hoje à minha consulta e contou-me que a Luísa tinha morrido há 1 mês.
Rui tem uma face cansada e os olhos cheios de água, mas transmite uma enorme serenidade. Não tem dormido bem... Acorda sempre às 4h da manhã... "Sabe Dra, foram 5 anos a acordar sempre a esta hora para preparar um leitinho morno e uma bolachinhas para a minha mulher... Mas agora, o travesseiro ficou vazio."
Nos últimos anos, o Rui aprendeu a fazer o bolo preferido da Luísa, sob a supervisão desta, que já com poucas forças ia dando as instruções do cadeirão. Numa das primeiras vezes que nos vimos, trouxe-me bolo feito pela Luísa. Nos últimos meses, trouxe-me bolo feito por ele. O da Luísa era melhor...
Rui não sabe o que é ir à praia ou à aldeia há algum tempo. Nos dias de consulta, pede para ser o primeiro doente do dia, "para ainda ter tempo de ir preparar o almocinho".
Nos últimos anos, há rotinas que se repetiram: a ida ao café da esquina, o passeio de poucos metros pelo quarteirão em dias de sol quando a Luísa se sentia melhor, as massagens nas costas pois as dores já apertavam...
Rui é uma pessoa simples, humilde, não terá mais do que a 4a classe. As suas palavras são meigas. O Rui é um grande homem. Coloca amor em tudo o que faz. Tanto a aprender com ele...
A Luísa morreu. Mimada, amada, carinhosamente acompanhada... Todos devíamos morrer assim. Na próxima consulta, está combinado que o Rui me vai trazer bolo e terá de ser melhor do que na última vez.»