sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

«Quem tem ouvidos, oiça!»

Um dos clientes do café da D. Maria, sempre que é interpelado por alguém dos presentes e o momento é favorável, aproveita para ir esclarecendo os seus interlocutores quanto às questões da fé ou da religião.

Aproximando-se o início de mais um ano catequético, procurou ele interessar-se que a Anaísa e o Mário, netos da D. Maria, passassem a frequentar a catequese, e quando já esta tinha começado havia algumas semanas e eles continuavam sem a frequentar, estando os dois para iniciar esse itinerário, empenhou-se nesse sentido. Havia porém uma questão importante a considerar quanto ao Mário, sendo a dedicada avó aconselhada a apresentar pessoalmente essa questão ao Pároco.

Quando foi à igreja, acompanhada pela D. Rosa, que muito viria a admirar-se pela mudança que nela constatou, foi recebida pelo seu cliente, que ali é catequista, apresentando-a ao Pároco, por também ele ter sido aconselhado nesse sentido.

Depois disso, quando o catequista voltou a estar no café, a D. Maria não sabia como manifestar tanto agrado. Havia muitos anos que se mantinha afastada da Igreja, e este contacto, mais pela forma como foi acolhida pelo Pároco, deixou nela o espaço aberto ao regresso, tanto que disse que passaria a ir à Missa todos os Domingos, coisa que até então dizia não poder por causa do café…

Alguns dias antes, a Anaísa e o Mário tiveram mais um mano. Para a extremosa avó, já esse facto fora uma grande bênção, o que também deve ter contribuído para o resultado do bem-estar interior alcançado com a ida à igreja.

Dois ou três dias depois, viajavam felizes os dois pequenos catequizandos com os avós e, quando, na A-15, um condutor entendeu deixar a faixa mais à direita no momento em que outro veículo estava a passar por ele, deu-se o acidente.

Mobilizados os meios necessários para o local, quando o condutor do reboque chegou, perguntou aos agentes da autoridade se a ambulância já tinha levado os mortos, não porque tivesse conhecimento do tipo de vítimas que resultaram do acidente, mas pelo que deduziu depois de verificar em que estado ficou o carro em que seguiam aquelas crianças e seus avós.

Foi um estranho acidente, como estranho foi o seu resultado. A avó dos meninos, que era quem conduzia, depois de muitos anos a falar mal dos padres, até ia a cantarolar, coisa que os netos nunca tinham ouvido, e cantava um cântico a Nossa Senhora…

Mesmo ficando o café a duas ou três centenas de metros da igreja, nunca a D. Maria lá tinha entrado, e como dissera ao cliente, mal transpôs a porta da entrada, gostou muito do que viu, pois, sendo uma igreja nova, estava muito ao seu gosto. Tudo a impressionou muito positivamente, até o simples gesto do catequista, o de ajoelhar quando passava diante do sacrário…

Algum tempo antes do acidente, ainda antes de o bebé ter nascido, o cliente foi mais uma vez catequista e a D. Maria a única destinatária dessa catequese, que teve como tema os Anjos-da-guarda e a sua solícita e amorosa missão.

Porque não valerá a pena continuar com qualquer consideração, remeto o leitor para as palavras com que Jesus encerrou vários dos seus ensinamentos: «Quem tem ouvidos, oiça!» Sim, porque os mortos a que se referia o condutor do reboque, não existiram naquele acidente, do qual todos saíram sem um único arranhão…

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Voou nas asas do cuco para fora do tempo

Há cerca de quatro ou cinco anos, estive no fim-de-semana da Páscoa na minha cada vez mais saudosa aldeia, o que não acontecia talvez há uns vinte anos. Sugado que fui pela vida urbana das grandes cidades como Lisboa, a minha terra, não contando com as saudades, pouco mais passou a representar do que uns escassos dias lá passados em cada ano.

Mesmo absorvidos pela azáfama característica da vida moderna nos grandes meios urbanos, os meus filhos, sempre ávidos das histórias que fizeram parte da minha infância e juventude, lá foram obtendo do pai o contar dessas histórias, despertando em mim tantas vezes aquela nostalgia que sempre se apodera de quem deixou para trás lugares, coisas, pessoas e mesmo animais que recorda com grande saudade.

Submergindo nesse oceano de saudosas recordações, acabo por sentir quão grande foi a minha sorte em ter nascido e crescido na aldeia. Belas e saudosas são as recordações da primavera, que rompia jubilosa em louvor ao Criador. Era o tempo em que eu via muitas das árvores de fruto prepararem-se para o banquete que chegava pelo verão, ao se vestirem de noivas, cada espécie engalanando-se mais do que a outra. Aos campos e outeiros, a Primavera trazia cores exuberantes, variadíssimos perfumes e alegres sonoridades, fossem elas da fauna natural ou do balir do cordeirinho de um rebanho que andase por perto. Numa verdadeira profusão de vida, ela vinha favorecer o homem e todos os demais seres vivos. Era a festa da natureza, que contagiava toda a criação.

Para a abertura oficial desta festa, todos os anos chegavam cantores de longínquas paragens. Tão grande era o acontecimento, que, com o Cuco e a Bubela como solistas, havia festa todos os dias. Os primeiros concertos destas duas aves, eram sempre saudados com grande alegria. Só as andorinhas podiam com elas rivalizar, com seus mais elaborados espectáculos que iam da dança em seus velozes e acrobáticos voos, ao grande coral com seu melódico e alegre chilrear.

Por vezes, o dever do bem cumprir com aquilo que me tinha sido determinado ficava por momentos esquecido, quando o Cuco ou a Bubela montavam o seu palco próximo, ficando eu atento ao seu canto, pelo qual tentavam contar-me as aventuras vividas por longínquas paragens de onde chegavam, mas não vivi na aldeia o tempo suficiente para com eles mais aprender...

Crescendo ao ritmo do pulsar da natureza e perscrutando a harmonia nela existente, mais fácil se tornou para mim assimilar os ensinamentos que dela retirava, ao mesmo tempo que era conduzido pelo sempre atento e afável saber de meus pais. A educação que meus irmãos e eu deles recebemos, foi positivamente severa no tocante à forma como deveríamos respeitar os demais. Dessa educação resultaria em nós uma especial atenção no trato que deveríamos ter com aqueles que por alguma razão pudessem ser desfavorecidos, fosse a nível cognitivo, mental, ou mesmo físico, e como aprendizes da vida em sociedade, até da natureza pudemos retirar o ensinamento das diferenças existentes numa mesma espécie. E se em toda a criação o homem é a obra-prima, para quem, como eu, sempre se sentiu enamorado pela diversidade que compõe toda a beleza da Criação, muito maior é o dever de compreensão e respeito para com todos os seres humanos que possam ser diferentes.

Se o contacto com as pessoas da terra era escasso pelas curtas visitas que fazia em cada ano, a partir do momento que passei a fazer as deslocações em transporte próprio, ficou muitíssimo mais reduzido esse contacto, o que levaria a recordar-me desta ou daquela pessoa apenas quando em conversa o seu nome era referido e, por sua vez, outras ficariam bem mais distantes no espaço da recordação. Assim aconteceu que, na visita que refiro ao início, cheguei mesmo a admitir que depois de tantos anos sem os ver nem neles se falar, algum dos irmãos por quem perguntei já tivesse falecido. Espantou-me a resposta que obtive. O “Tonho” e o Zé, que havia vários anos que tinham deixado a aldeia para irem para uma casa de repouso para os lados de Vila Real, estavam então na Casa de Santa Marta, em Chaves.

Estes dois irmãos eram um pouco desfavorecidos pela natureza, facto que lhes acarretou uma carga ainda bem maior, que era a zombaria de que muitas vezes eram alvo, principalmente por parte da garotada, mas também por outros de maior idade. Quão triste eu ficava muitas vezes, ao ver o Zé exasperado pelas diabruras que lhe faziam, em atitudes que para mim sempre estiveram mais próximas da crueldade do que da má educação. Para além de terem sido meus vizinhos, terão sido também estes factores que me levariam a sentir-me fortemente impelido a visitá-los, visita que fizemos os cinco, contando com a minha sogra que nos acompanhou.

O “Tonho”, disfrutava da belíssima tarde soalheira no jardim, antes de um outro senhor a quem por eles perguntámos o ir chamar. Com uma memória aparentemente bem melhor do que a minha, recebeu-me como se apenas alguns meses tivessem passado desde que nos encontrámos pela última vez. Aquele estado emocional a que pode chegar-se quando se encontram a alegre expectativa, o bem-querer e outros bons sentimentos, apoderou-se de mim e, sendo mais forte do que eu, fez-me ceder à emoção. Enquanto éramos conduzidos até à sala de um andar superior onde se encontrava o Zé, viu-se a amável Irmã que nos acompanhava na necessidade de me dizer que o visitado não devia ver-me assim, e eu, tentei explicar-lhe o que nem sempre é explicável…

Esforçando-me por me recompor, a boa Irmã, da Congregação das Irmãzinhas dos Anciãos Desamparados, lá nos apresentou, não tendo o visitado necessidade de se esforçar para saber de quem se tratava. Com que devoção eu estive aqueles momentos junto do Zé, falando-lhe mais com a alma do que de outra forma. Ele estava tão lindo!... Os seus lindos olhos azuis, pareceram-me muito mais bonitos naquele momento, não sei se pela forma como eu os via, se por tudo o que eles diziam da própria pessoa e daquelas que tão carinhosamente dela cuidavam. Quando chegámos, encontrámo-lo um pouco agitado e, quiçá pela visita, as suas tremuras começaram a aumentar. Breves minutos depois, até a gentil freira se mostrou admirada por tão súbita serenidade que o invadiu, e passou a estar como se nada tivesse.

No final, mais do que pelo simples gosto de visitar a belíssima capela da casa, lá tive de me recolher uns momentos em agradecimento a Deus pelo bem-estar daqueles irmãos e pela paz tão merecida de que agora gozavam em sua velhice.

Passaram exactamente três anos* desde que Deus libertou o Zé das muitas dificuldades que viveu nesta vida e das suas limitações terrenas. Possa ele agora ser benigno para quantos com ele privaram, depois de durante tantos anos a palavra “benigno” lhe ser associada ao nome como se de apelido se tratasse.

Quem sabe se um dia numa Primavera, lá para os Salgueirinhos, Lama-susana, Carvalhas ou “Abelãeras”, por onde o Zé há muitos anos andou com seus bois, algum gaio, cuco ou milhafre, não virão falar-me dele… Até lá, em terra lavrada por onde passe, pegadas de lobo poderei encontrar, levando-me em pensamento para tão saudosos tempos… Estarei atento ao canto do mocho ao anoitecer, que em seus lamentos parece continuar à procura, chamando, chamando, por algum dos bois que fugia ao Zé…

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* Tinha acabado o texto, e nele dizia (no penúltimo parágrafo) que, havia cerca de dois anos desde a sua partida, mas, umas duas horas depois, consegui saber que a partida se fez no dia 20-10-2005. Será concidência? Hoje, é precisamente dia 20 de Outubro...

domingo, 7 de setembro de 2008

Registo de alguns momentos em comunidade

- QUANDO O GESTO DIZ MAIS DO QUE AS PALAVRAS.
No passado dia 4 de Setembro, fez três anos que o actual pároco da minha paróquia assumiu esse cargo ou missão. No dia anterior fora-me comunicada a surpresa que lhe estava a ser preparada. De bom grado aderi à iniciativa e, no dia, com a colaboração dos colegas de trabalho, foi-me possível sair uns minutos mais cedo, conseguindo assim chegar à Missa, mal tinha começado. Os jovens, inexcedivelmente voluntariosos, mobilizaram-se para assegurarem a parte do canto.

Na homilia, o jovem pároco lembrou as palavras que escolhera para a sua “Missa Nova”, por sinal, as do evangelho deste dia, aquelas que Pedro dirigira a Jesus depois de ter participado na pesca milagrosa: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador» (Lc 5, 8b), para também ele se declarar um homem pecador, que precisa dos paroquianos, do seu testemunho e da sua oração, reiterando o que já algumas vezes dissera: «Façam de mim padre, e eu farei de vós santos»!

Certo de que o Senhor me perdoará por esta confissão, ainda que muito tenha apreciado as palavras do ministro sagrado, para mim o momento mais alto da Missa aconteceu quando afinal esta já tinha terminado. Mal o sacerdote acabara de sair do presbitério, foi-lhe apresentada a primeira surpresa: o Miguel, um menino de uns 5 a 6 anos, apressando-se a ir ter com o homenageado, ajoelhou diante dele e, erguendo os bracinhos, ofereceu-lhe um lindo ramo de flores, com o seu rostinho a brilhar, quiçá por via da luz que erradia daqueles olhinhos tão vivos que parece conterem em si o reflexo das estrelas.

Aquela natural, simples e tão bela imagem do sacerdote inclinando-se para receber as flores das mãos da criança que se ajoelhara para lhas oferecer, causou em mim uma tal impressão que tive de me esforçar para conter as lágrimas, enquanto ia esfregando os braços por ter ficado todo arrepiado. Era eu o primeiro beneficiário daquilo que dissera no dia anterior a alguns paroquianos, ao lhe endereçar por e-mail um texto com as seguintes palavras: «...em muitas situações, as palavras não são propriamente necessárias; quantas vezes um pequeno gesto é bem mais eloquente.» E de que maneira, devo dizer, neste caso!

- QUÃO PRECIPITADOS PODEMOS SER A FAZER JUÍZOS...
A segunda parte da surpresa foi o terem preparado um repasto à volta do qual houve um alegre e são convívio. Também aqui devo confessar o seguinte: se a questão tivesse ficado pelo início, também eu ficaria com uma ideia errada do padre, que disse não à proposta que outra paroquiana e eu lhe apresentámos, mas conversando mais sobre o assunto, fácil se tornou entender que o seu não era um não sábio. Mais uma vez eu tive a prova do quão tolos, precipitados, ou insensatos somos, sempre que procuramos concluir seja o que for, a partir das primeiras impressões. Por outras palavras, é o erro de construirmos ideias ou ajuizarmos sem termos matéria suficiente para tal. E mesmo assim, situações já houveram em que só dei conta do erro depois de um outro dado ter surgido...

- TÊM APENAS UMA REVISTA E UMA BOLA, JÁ MESMO VELHAS...
Conversando com outra pessoa que disse partir para a ilha do Príncipe na semana seguinte no âmbito da ajuda decorrente do protocolo de geminação entre as duas paróquias, o meu pensamento reteve-se naquilo que os olhos podiam ver, centrando mais a atenção na mesa, um exemplo simples de que nos encontrávamos num outro mundo, tão diferente daquele que é o de tantas famílias que na ilha do Príncipe ainda vão sendo ajudadas por outras da minha paróquia. Os salgados, os doces, as bebidas, enfim, que ali sobraram, traduzem o que em muitas de nossas casas acaba por se estragar, e na paróquia do Príncipe, dizia a minha interlocutora que, com a ajuda que de cá é enviada, garante-se ao menos uma refeição por dia ás crianças que nem isso teriam...

O mundo em que nós vivemos, aquele que se diz globalizado ignora não só os fossos profundos que nele já existiam, mas também aqueles que a própria globalização tem criado, sendo certo que nesse mundo contam as nações, mas também cada um de nós.

Falando de uma certa família, dizia que em sua casa, os bens mais valiosos, preservados por isso desde há anos, eram uma bola e uma revista que há anos atrás alguém lhes tinha mandado, mesmo apesar de já estarem ambas muito velhas. As crianças dessa família, como todas as outras, porque vivem num outro mundo, não imaginam a realidade de outras crianças como as nossas. Se elas soubessem que as nossa crianças e adolescentes gastam por vezes num fim-de-semana aquilo que poderia ser o sustento da sua família durante o mês, quão tristes não ficariam... uma só mochila escolar dessas marcas mais apetecidas pela garotada, dá para assegurar uma refeição diária durante um mês a uma família de três a quatro pessoas no Príncipe, onde o ordenado de um médico é de 50 euros.

Naquela ilha a carência é tal, que, há um ano ou dois atrás, no final do tempo que lá esteve a pessoa que comigo conversava, as Irmãs que gerem os "recursos" de que dispõem para os mais pobres, conseguiram proporcionar um verdadeiro banquete de despedida aos que lá se encontravam em missão. Arranjaram uma galinha a que juntaram duas cenouras e uma lata de ervilhas que tinha ido daqui, permitindo que as dez pessoas à mesa se banqueteassem com carne.

Na Ilha do Príncipe é assim com muitos filhos de Deus. E mesmo ao nosso lado, neste tempo em que as pessoas só valem enquanto números para o deus moderno que é a economia, quantos não conheceremos a quem esse deus tirano apanhou em suas impiedosas malhas? Como lá longe em África, pode mesmo na nossa rua haver alguém que não sabe que Deus zela por ele, quiçá também nem saiba que é Ele quem age através de si, caríssimo leitor.

Que Deus leve estas palavras aos corações sensíveis e suscite em todos um maior sentido de co-responsabilidade e partilha, bastando para tal que resistamos ao espírito do consumismo que domina a nossa sociedade.

José Augusto Santos

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Temos que ser pais “maus”

O texto que se segue, que me chegou por e-mail em formato power point, foi publicado (ainda segundo essa mesma apresentação) por ocasião da morte de Tarcila Gusmão e de Eduarda Dourado, ambas de 16 anos, em Maracaípe – Porto de Galinhas (Brasil). Depois de 13 dias desaparecidas, as mães revelaram desconhecer os proprietários da casa onde as filhas tinham ido curtir o fim-de-semana. A tragédia abalou a opinião pública e o crime permanece sem resposta (à data da publicação no Brasil).

O professor de Ética e Cidadania da escola Objectivo/Americana, Sr. Roberto Candelori, aproveitou este texto para dá-lo a todos os alunos da sala de aula, para que o entregassem a seus pais. A única condição solicitada pelo professor foi de que cada aluno ficasse ao lado dos pais até que terminassem a leitura.


MÃES MÁS
(Dr. Carlos Hecktheuer, médico psiquiatra)

«Um dia quando os meus filhos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e mães, eu hei de dizer-lhes:

- Eu amei-vos o suficiente para ter perguntado aonde vão, com quem vão e a que horas regressarão.

- Eu amei-vos o suficiente para não ter ficado em silêncio e fazer com que voçês soubessem que aquele novo amigo não era boa companhia.

- Eu amei-vos o suficiente para vos fazer pagar os rebuçados que tiraram do supermercado ou revistas do jornaleiro, e vos fazer dizer ao dono: “Nós tirámos isto ontem e queríamos pagar”.

- Eu amei-vos o suficiente para ter ficado em pé, junto de voçês, duas horas, enquanto limpavam o vosso quarto, tarefa que eu teria feito em 15 minutos.

- Eu amei-vos o suficiente para vos deixar ver além do amor que eu sentia por vocês, o desapontamento e também as lágrimas nos meus olhos.
- Eu amei-vos o suficiente para vos deixar assumir a responsabilidade das vossas acções, mesmo quando as penalidades eram tão duras que me partiam o coração.

- Mais do que tudo, eu amei-vos o suficiente para para vos dizer NÃO, quando eu sabia que vocês poderiam me odiar por isso (e em alguns momentos até odiaram).

Estas eram as mais difíceis batalhas de todas. Estou contente, venci… Porque no final vocês venceram também! E qualquer dia, quando os meus netos forem crescidos o suficiente para entender a lógica que motiva os pais e mães; quando eles lhes perguntarem se a sua mãe era má, os meus filhos vão-lhes dizer:
“Sim, a nossa mãe era má. Era a mãe mis má do mundo… As outras crianças comiam doces no café e nós só tínhamos que comer cereais, ovos, torradas. As outras crianças bebiam refrigerantes e comiam batatas fritas e sorvetes ao almoço e nós tínhamos que comer arroz, feijão, carne, legumes e frutas.

Tinha que saber quem eram os nossos amigos e o que nós fazíamos com eles.

Insistia que lhe disséssemos com quem íamos sair, mesmo que demorássemos apenas uma hora ou menos.

Ela insistia sempre connosco para que lhe disséssemos sempre a verdade e apenas a verdade.

E quando éramos adolescentes, ela conseguia até ler os nossos pensamentos. A nossa vida era mesmo chata!

Ela não deixava os nossos amigos tocarem a buzina para que saíssemos; tinham que subir, bater à porta, para ela os conhecer.

Enquanto todos podiam voltar tarde da noite com 12 anos, tivemos que esperar pelo menos pelos 16 para chegar um pouco mais tarde, e aquela chata levantava-se para saber se a festa foi boa (só para ver como estávamos ao voltar).

Por causa da nossa mãe, nós perdemos imensas experiências na adolescência.

- Nenhum de nós esteve envolvido com drogas, em roubo, em actos de vandalismo, em violação de propriedade, nem fomos presos por nenhum crime.

FOI TUDO POR CAUSA DELA!

Agora que já somos adultos, honestos e educados, estamos a fazer o melhor para sermos “PAIS MAUS”, como a minha mãe foi. EU ACHO QUE ESTE É UM DOS MALES DO MUNDO DE HOJE: NÃO HÁ SUFICIENTES MÃES MÁS!

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Correram cartomantes, videntes e outros bruxos. Por fim o caso ficou resolvido.

Os pais de um meu colega, ao fim de quarenta e tal anos de casados separaram-se; ou melhor, a mãe teve que sair de casa porque o pai ameaçava matá-la, obrigando a que tal saída se fizesse com a roupa que tinha no corpo, nem lhe permitindo que lá voltasse, tendo para tal mudado a fechadura.

Aos filhos, dizia o pai, ai daquele que se metesse, pois a vítima dessa intromissão seria em primeiro lugar a mãe. Porque os planos eram definitivos, ao fim de algum tempo mudou de casa e de terra, para na nova casa acolher outra mulher, muito mais nova.

As coisas boas da vida, são insípidas para aquele que vive com o coração acabrunhado, constrangido por algum sofrimento. Era a falta da necessária paz ou tranquilidade que não permitia ao Rui aproveitar o momento, quando jantávamos na estalagem do castelo de Palmela.

Procurando não ferir as regras da boa educação, apressei a minha saída da mesa para ir ter com o Rui, receoso de que algo se estivesse a passar com ele. De facto, a razão pela qual ele saíra antes de poder dar-se o jantar como findo, não foi para desfrutar do aprazível lugar numa agradável noite de verão, mas por estar demasiadamente inquieto por algo que eu ainda desconhecia.

Foi então que, já irremediavelmente convencido de que tinha sido chamado a carregar com a triste sorte, o meu colega me expôs as razões da sua amargura.

Perante o seu sofrimento e tão manifesta impotência para restabelecer a normalidade, surge em mim, veloz, a certeza de que poderia ser reparável a situação apresentada.

Ocorreu-me pedir-lhe uma fotografia dos pais, certo de que com isso obteria melhores resultados junto daqueles a quem ia pedir que se juntassem a esta causa. Numa atitude própria de quem, em desespero, aceita toda e qualquer oferta, respondeu-me que já tinham tentado várias “pessoas entendidas” em vários pontos do país, sem êxito, mas que não lhe custava nada trazer a fotografia no dia seguinte e que, se conseguisse, me pagariam entre ele e os irmãos o que fosse necessário.

Para lhe devolver uma réstia da esperança que tinha perdido, disse-lhe que, não obstante as coisas já se encontrarem no ponto em que estavam, a reconciliação ainda era possível, sem no entanto lhe dizer o que ia fazer.

No dia seguinte, aquele pobre filho entregou-me a fotografia pedida, desconhecendo por completo se eu era mais um crente ou praticante das artes esotéricas (soa mais fino dizer deste modo do que dizer bruxarias).

Quando regressava a casa no final de um dia de trabalho, o meu pensamento era ocupado com o que via ser o sofrimento do meu colega, com tudo o que imaginava poder estar a viver sua mãe e, ao mesmo tempo, com aquela rotura matrimonial que as forças do mal conseguiram. Estava assim profundamente absorvido em tais pensamentos quando, no espaço mais interior do meu ser, se assim posso dizer, desabou uma torrente de emoção e, já com os olhos a darem sinal daquilo que estava a acontecer no meu interior, de uma forma tão estrondosa que devo ter sido ouvido em todo o Céu, gritei: Paaaai!!!

A oração que eu mesmo tenho experimentado como mais eficaz, dela dando aqui público testemunho para exortar aqueles que ainda crêem, é aquela que resulta da compaixão por quem se vê incapaz de se libertar da acção do Maligno, consciente ao mesmo tempo do quão amada por Deus continua a ser a pessoa, ainda que aos olhos do mundo seja culpada pelo mal de que sofre.

Depois de me ter dirigido a Deus Pai naquela tão peculiar forma de oração, apreensivo, olhei para as pessoas que comigo viajavam apinhadas no autocarro, e vi que ninguém estava a reparar em mim, sinal de que não houve repercussão do meu grito no espaço físico.

Estávamos no mês de Junho de 1993, e à semelhança do Mês de Maria, continuámos no meu bairro, onde germinava então a actual comunidade paroquial, a celebrar o Mês do Sagrado Coração de Jesus com a reza diária do Terço em comunidade*. No final do Terço, momento em que todos nos juntávamos às intenções particulares de cada um, mostrei aos presentes a fotografia daquele casal por quem pedi que uníssemos as nossas orações, depois de lhes ter dito o que se passava.

Alguém sugeriu que o fizéssemos todos de mãos dadas. Alguns rostos deixavam perceber alguma emoção, e a mesma pessoa que fizera a anterior sugestão, como que em resposta ao meu secreto desejo, propôs que fizéssemos todos, uma novena. Ainda esta não tinha terminado, quando, felicíssimo, o meu colega se me dirige a perguntar quanto me devia, mostrando-se ao mesmo tempo curioso em saber quais os métodos que usei, pois, se já tinham corrido tudo quanto era “gente entendida”, gasto com isso algumas somas, e nada dos resultados esperados...

Contente, respondi-lhe com um sorriso, ficando-me por aí, por entender que não era ainda o momento para ele receber a catequese do acontecimento. E quanto aos métodos, disse-lhe serem os mais simples e ao mesmo tempo os mais eficazes.

Alguns dias depois voltou ao assunto, dizendo que não conseguia entender a mudança radical que houvera no pai, que foi repentina, de um dia para o outro...

Entendendo que já seria o momento oportuno, disse-lhe então como tudo acontecera. A partir dali, também a sua vida mudou. Passou a ver os seus problemas pessoais e familiares numa perspectiva cristã, e juntamente com a esposa e a filha, passaram a fazer da missa e outros sacramentos prática habitual.

A compaixão, que está na origem de todo o impulso que toca verdadeiramente o Coração de Deus, é hoje negada e esvaziada do seu verdadeiro sentido cristão por alguns “filósofos” que abundam na própria Igreja, como se já não bastasse o mal causado por quantos estão declaradamente contra Ela, que, esses sim, vertem todos os dias do muito que sobra à sua "sabedoria".

Sirva este caso como farol para muitos que procuram a solução para os seus problemas, e os que se sentem incapazes para levarem por diante o combate que há-de erradicar o mal, procurem um piedoso sacerdote de Cristo, tapando os ouvidos a todos quantos possam indicar soluções fora d'Ele.

Que a Sua Paz desça aos corações mais atribulados dos leitores.

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* Na minha comunidade paroquial, já só se celebra o Mês de Maria, parece que Jesus ainda não tocou muitos corações...

sábado, 16 de agosto de 2008

O bem que não vemos quando só olhamos o exterior

Como num infindável número de lugares, decorria também na minha comunidade paroquial o arraial de S. João. Confraternizando com uns enquanto comia a sardinha e o caldo verde, fui depois saudando este ou aquele, estando com outros um pouco mais. Coisa muito simples, o estar um pouco com alguém, mas para mim muito importante, sempre que consigo situar-me com a pessoa fora do corriqueiro, do banal, como é a tendência de estarmos sempre a sermos comentadores sem convite das coisas que mais respeito dizem à vida particular de alguém, das questões futebolísticas, novelescas ou outras do género.

Foi assim que me dirigi à D. Cecília, pedindo-lhe para me sentar junto dela, dado que estava sozinha e com uma carinha que não era a melhor. Nos escassos minutos que com ela estive, soube que o número de operações a que já tinha sido sujeita, já ia em doze, mais quatro, portanto, do que aquelas de que eu tinha conhecimento.

Pude ainda saber que, apesar de ser pessoa muito doente, a D. Cecília, quando deveria estar muito sossegada a convalescer da última operação, ainda se empenhou, muito para além do que seria suposto serem as suas forças, em ajudar à resolução de um sério problema de ordem social e higiénico-sanitária de um casal que vive próximo. Como admiro a D. Cecília! Pessoa com uma cruz tão pesada, e consegue transporta-la sem que aqueles com quem se cruza diariamente dela se apercebam.

Passando por outra mesa, para trocar um carinhoso abraço com uma amiga sobre quem também já escrevi (aquela viúva que na juventude “fugia” à mãe para ir tratar dos leprosos), aproveitei para conhecer um senhor que com ela se encontrava, dado que o conhecimento que dele tinha era apenas o vê-lo por vezes na Missa. Foi-me então apresentado o Sr. Borges, a quem perguntei o seu nome próprio. Esta minha amiga, entre outras coisas, disse-lhe que eu era catequista, ficando eu a saber que também ele o quis ser.

Quando seus filhos eram jovens, o Sr. Álvaro, é este o seu nome próprio, fazia com que outros jovens da aldeia fossem frequentando a sua casa, procurando assim ir sendo a luz possível nos caminhos tão inseguros dos jovens. Com os filhos já maiores e chegado à idade da reforma, viu-se liberto para poder dedicar-se a algo para o qual se sentia ser chamado. Disse então ao seu pároco que gostava de ser catequista.

Ao despedir-me do Sr. Álvaro, segurando carinhosamente em minhas mãos a sua mão, quis demonstrar-lhe o enorme respeito que me merecia, e beijei aquela mão que tanto bem já fizera em sua vida e continua a fazer. O que não lhe demonstrei, foi a tristeza que tive em saber que o seu pároco o impedira de se dedicar à catequese, alegando como desculpa o facto de a igreja ser fria, não sendo por isso boa para alguém em idade de reforma.

Vinte ou trinta anos depois, vim eu a conhecer o Sr. Álvaro, aproveitando ele agora todas as oportunidades que tem para ir a casa dos mais necessitados, auxiliando aquela minha amiga nesse trabalho de tanta entrega aos pobres. Nem os seus 87 anos o impedem de tão santo apostolado. Alguns dias depois, vim a saber que, ainda agora na sua terra, dificilmente alguém o encontrará em casa, porque anda sempre em Missão.

Não é de estranhar, portanto, que nenhum dos seus cinco filhos tolere aos irmãos que tenham em sua casa o pai um dia a mais do que a cada um pertence. Uma vez que está um mês em casa de cada um, aguardo com ansiedade o mês de Novembro, mês que penso que volte a calhar ao seu filho José, para eu fazer com os meus catequizandos um encontro que irá ser, não tenho dúvidas, marcante para todos nós, ao ser dirigido por quem sempre foi, afinal, catequista sem catecismo.

Soubesse, quem tem o poder para tomar decisões, reconhecer os possíveis mananciais de riqueza existentes em quem tem muitíssima mais experiência, e tudo quanto é área de actividade humana, não pondo de parte a eclesial, mais enriquecedoramente convergiria para o bem comum, mas, infelizmente, pululam por todo o lado pessoas como o outrora pároco do Sr. Álvaro…

Na sociedade, para aqueles que chegaram à idade da reforma, parece não haver mais lugar, desperdiçando-se assim tanta riqueza. Quão estultos são aqueles que parecem ter uma fixação pelo conceito de renovação, aplicando-o à melhor de todas as "matérias-primas", o capital humano.

A velhice confere autoridade, e prestígio os cabelos brancos que levaram uma vida íntegra, assim diz o Senhor, Deus, no segundo livro dos Macabeus (Cf. 2Mac 6, 23), dizendo ainda no livro de Job que, pela longevidade se chega à sabedoria (Cf. Jb 12, 12), mas nas sociedades ditas modernas, até a Palavra de Deus se procura reciclar, ficando apenas aquilo que não incomode as consciências... e o que é ainda mais grave, é o serem os próprios ministros sagrados que só parece preocuparem-se com agradarem ao povo, preocupando-se bem menos que o seu ministério seja do agrado de Deus. Tratam apenas do exterior, e agradados com o prestígio que daí lhes pode vir, deixam de ser capazes de chegar ao interior das almas, que é afinal a primeira e última razão do seu ministério.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Como controlar o vandalismo e a criminalidade

Muitos estudos e muitos debates tem havido acerca dos comportamentos marginais que até já começam a ser preocupantes dentro das próprias escolas, sem que daí se possa ao menos vislumbrar a assunção de medidas que nos permitam um sentimento de maior confiança no futuro.

A criminalidade tem vindo a progredir numa espiral que parece não mais parar, facto sobre o qual todos estaremos de acordo, estou certo. E como é que os governos, em Portugal e noutros países, respondem? Aumentando os efetivos das forças de segurança e apetrechando-as de meios capazes de poderem fazer frente à criminalidade (é assim que os políticos pensam…), e o único resultado garantido é o aumento da carga fiscal para o contribuinte…

Quantas vezes já vimos os nossos governantes virem a público defenderem uma qualquer tese, resultante de um estudo encomendado a algum organismo ou a pessoa de gabarito? E muitos desses estudos, à custa de quantos milhares de euros gastos ao contribuinte? E quantas vezes pudemos dizer que valeu a pena o custo de tais estudos, por terem sido fundamentais para a melhor decisão, por vezes de grande interesse nacional? Quisesse algum governo aceitar as sugestões que se seguem, já que até são a custo zero, e as as coisas mudariam radicalmente.

Pensando nas doenças neurológicas, sabemos hoje como a doença de Alzheimer, sendo degenerativa, começa por afectar as capacidades cognitivas, até que leva a pessoa à perda de quase todas as faculdades. Esta, como outras doenças do género, apodera-se da pessoa como que sub-repticiamente, pouco ou nada podendo fazer-se para a evitar. Será que um fenómeno idêntico tem vindo a atacar a maioria dos nossos políticos? Se a obesidade, o sedentarismo e algum outro factor conjugado, fazem da pessoa o alvo principal de enfartes e outros males, que nome poderão ter os factores que concorrem para aquilo que faz padecer a classe política e que começa por atacar-lhes a seriedade e a visão do bem comum?

Quanto a mim, a OMS ainda não se pronunciou quanto a esta nova doença, por não haver uma profilaxia que se possa levar a cabo para a combater, ou talvez por achar que a opinião pública não está preparada para enfrentar o choque psicológico que sofreria ao vê-la declarada como tal. Também degenerativa e com efeitos devastadores nas sociedades, é bem mais perigosa do que qualquer pandemia já ocorrida. Ela já é conhecida de muitos especialistas, mesmo não estando oficialmente reconhecida. Seu nome “científico” é, Política. Seus efeitos já todos conhecemos, basta olhar para o mundo, que está de pantanas.

Talvez a coisa melhorasse se, todo aquele que está na política e desempenha cargos públicos, fosse obrigado a ter como acessores um sociólogo e um psiquiatra, que em equipa trabalhariam empenhadamente com o infectado pela doença para protegerem a sociedade de alguma forma mais virulenta da política. No actual contexto, penso que só dessa forma se criariam as necessárias condições para que pudessem vir a ser tomadas as seguintes medidas, já que esta terrível doença combate ferozmente todos os corpos ainda sãos, impedindo-os de terem um papel mais preponderante:

1- Nas escolas, começando nos quatro primeiros anos, teria que ser reposto o anterior sistema, em que passavam de ano apenas aqueles que tivessem aproveitamento para tal, e não como agora, que ficamos com a ideia de que passam todos.
a)- Relativamente à obrigatoriedade do ensino, aquele que até aos quinze anos não tivesse completado o 9º. Ano, passaria de imediato para os cursos de formação profissional, passando a ter garantidas as despesas de transporte e de alimentação.
b)- Essa fase de formação seria de três anos e só poderia ir até aos 18 anos de idade.
c)- Chegados aos 18 anos, todo o jovem que não estivesse a continuar os seus estudos e não tivesse ainda concluído a formação profissional, na mesma área ou noutra para a qual viesse a revelar maior aptidão, ingressaria no que poderia designar-se de POOPD (Programa Ocupacional Obrigatório Para os Disponíveis).
d)- O POOPD duraria até aos 21 anos de idade e estaria sob a tutela da Inspecção Geral do Trabalho. Os jovens iniciariam assim uma habituação ao trabalho, que no sector público ou privado, aufeririam do ordenado mínimo nacional, salvo nos casos em que tivessem chumbado algum ano a mais do que o permitido. Nesses casos aufeririam apenas de transporte e de alimentação até ao final do programa.
e)- Independentemente da nota que viesse a ser necessária para ingressar no curso pretendido, só entraria na universidade quem não tivesse chumbado nenhum ano desde o 9º. Caso tal acontecesse, passaria de imediato para o POOPD.
Nos comportamentos marginais, para a redução dos quais já muito contribuiriam as medidas previstas no ponto anterior, deveriam ser aplicadas as seguintes medidas dissuasoras:

2- Todo aquele que praticasse actos social ou moralmente condenáveis, como o desrespeito pelos pais, professores e autoridades, pelo meio ambiente e propriedade alheia, ficariam impedidos de tirar a carta de condução, ou mesmo licença, até aos 30 anos (idade em que começarão a ter juízo), para além da reparação dos danos causados, e impedidos de frequentarem estabelecimentos de diversão, como discotecas e afins.
a)- Nos casos mais graves, esse impedimento seria definitivo, sem prejuízo da aplicação de outras medidas punitivas.

3- Os que praticassem furto, ficariam impedidos de, no futuro, recorrerem ao crédito bancário; e de virem a ter qualquer bem em seu nome, se o furto se revestisse de circunstancias gravosas, entendendo-se como tal, aquele cujas vítimas fossem os mais frágeis, como crianças e idosos.
a)- Se o furto ou apropriação ilícita fosse praticado por pessoa com idade inferior aos 12 anos, o impedimento aplicar-se-ia só se fossem cometidos mais do que dois ilícitos.
b)- Dos 12 aos 18 anos, seria tolerado apenas um acto ilícito, deixando de haver qualquer tolerância a partir dessa idade. Tanto num como noutro caso porém, essas tolerâncias não ficariam sem uma medida correctiva.

Quanto ao flagelo da droga, proceder-se-ia da seguinte forma:

4- Todo aquele que fosse suspeito de consumo, seria detido e submetido a exames médicos.
a)- Confirmado o consumo e o tipo de substância, passariam automaticamente a serem sujeitos à “terapia”.
b)- Esta, contrariamente às que têm sido desenvolvidas, como o caso das que incluem drogas de substituição como a Metadona, passariam a ter métodos terapêuticos diferentes: em vez de Me-ta-do-na, empregar-se-ia a Me-ta-pá, Me-ta-pi-ca-re-ta, Me-ta-en-xa-da e Me-tas-cos-tas (para alombar).
c)- Esta “terapia”, para os que se drogam uma ou mais vezes por semana, teria como duração mínima dois anos, com a “medicação” a ser “tomada” seis dias por semana.
d)- Os “centros de reabilitação” seriam as obras públicas, como as estradas, as serras a reflorestar, etc.
e)- Poderiam ser tratados em outros “centros” particulares, a troco do ordenado mínimo nacional, que seria pago directamente aos lesados, e quando estes tivessem sido ressarcidos pelos danos sofridos, seria a Segurança Social a receber os mesmos valores.

5- Os traficantes, por pertencerem a “classe superior”, seriam designados de TRAFOR (Trabalhadores Forçados), com um tempo mínimo de “tratamento” de vinte anos, nunca deixando o programa antes dos 65.
a)- Até ao último dia do “tratamento”, os TRAFOR andariam sempre acorrentados.

6- Os incendiários teriam que cumprir uma pena mínima de 20 anos.
a)- Sua ocupação seria nos trabalhos de reflorestação, durante o tempo que fosse necessário para reflorestar toda a área que queimaram.
b)- Aos mandantes da acção, ou ao incendiário se actuou isoladamente, seriam queimadas as duas mãos durante um minuto, numa viva fogueira em praça pública.
c)- Esta pena, porém, só poderia ser aplicada se a pessoa tivesse património que desse para pagar todos os prejuízos.
d)- Na falta do património necessário, aplicar-se-ia a alínea a), e no final, queimar-se-lhe-ia apenas uma das mãos.

7- Os pedófilos e violadores, teriam prisão perpétua, cumprindo a pena a trabalharem seis dias por semana, sob as mais rigorosas medidas de seguraça.
a)- O cumprimento da pena seria em todo e qualquer lugar do mundo onde houvesse crianças com fome ou sem um lar condigno, que seriam os destinatários dos resultados desse trabalho.

8- Os que praticassem a corrupção, ainda que na forma passiva, perderiam tudo quanto tivessem, ficando com o equivalente ao ordenado mínimo nacional.
a)- Perderiam todo o património imobiliário, ficando apenas com o valor de uma casa que um jovem casal com rendimentos de € 1.500,00 conseguiria adquirir.
b)- Os que tivessem cargos públicos ou em instituições de algum relevo, mesmo que apenas local, nunca mais poderiam exerce-los.

Esta lei visaria acima de tudo, que os condenados trabalhassem não só para ressarcirem as vítimas dos danos sofridos, mas também para suportarem todos os custos do sistema prisional. A ser implementada, traria um bem inquantificável ao contribuinte, começando desde logo por deixar de ser necessário o grande reforço das forças de segurança, para não falar do bem incomensurável que seria o andarmos todos à vontade.

Pena é que, os infectados pelo mal acima descrito, sejam em tão grande número que abafam completamente a acção dos pouquíssimos que ainda são imunes a tão terrífica doença.

Se alguém considerar as medidas expostas como próprias de uma ditadura, então venha este género de ditadura livrar-nos da podridão da actual democracia.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

O menino e o cachorro

(Continuação do artigo “Carta de um catequista a um seu catequizando”)

Um menino, de seis ou sete anos, um dia disse a seus pais que gostava da casa para onde tinham mudado, mas que gostaria muito de ver satisfeito um seu desejo há muito manifestado, que os pais sempre adiaram derivado a morarem num apartamento. Uma vez que tinham passado a morar numa quinta, no dia seguinte, ao chegar da escola, seu pai esperava-o com uma grande surpresa: um belíssimo e ternurento cachorrinho.

Cedo se tornaram companheiros inseparáveis, de tal forma, que, o outrora cachorrinho, depois de se ter tornado um grande e belo cão, tinha memorizado todos os tempos que o seu amigo tinha que dedicar aos trabalhos, e quando ele se demorava um pouco mais, subindo com jeito a um canteiro em frente de uma janela, porque sabia que os donos lhe ralhavam, levantando-se, apoiava as grandes patas no parapeito da janela e, para não fazer grande alarido − não fossem vê-lo naquelas tropelias em cima do canteiro −, batia com uma pata no vidro da janela, chamando o amigo para irem para a brincadeira.

Quando o menino regressava da escola, mesmo estando ainda longe de casa, sua mãe era avisada da sua aproximação através das manifestações de alegria do seu maior amigo, o cão, que nessa altura procurava a dona para dessa forma a avisar e mostrar-lhe ao mesmo tempo o seu contentamento pela chegada daquele que era sempre recebido segundo mandam as regras à cão: as patas em cima, levando a que muitas das vezes os dois se rebolassem pelo chão, umas rosnadelas enquanto o ia abocanhando por onde pudesse, mas sem o magoar, terminando sempre a recepção da mesma maneira: encher o menino de beijos, que é o mesmo que dizer, deixar-lhe a cara toda lambuzada.

O tempo foi passando, e, já mais crescido, sem que houvesse qualquer razão que o justificasse, o rapaz telefonou para casa, para dizer que não o esperassem, porque ia dormir em casa de um amigo. Só não disse que essa seria apenas a primeira de muitas noites que faziam parte do plano de deixar a casa paterna, seduzido pelas ideias liberais que acolheu de quem sobre ele exercia poder de influência.

Em vão os pais se esforçaram por encontrá-lo.

Uns meses depois, decidiu passar por casa para levar umas coisas de que necessitava.

Esta experiência transformara o seu coração mais do que o que a inteligência lhe permitia perceber. Era sua convicção que, junto dos outros, da maioria, dos que “curtem cenas”, que não são “betinhos”, agora estava mais capaz para a vida. O que ele não via, era que a mudança nele operada tinha raízes mais fundas. Não se tratava simplesmente de comportamentos ou ideias assimiladas, mas do que fora sacrificado, que era a candura e o brilho do seu coração. Evoluindo desta forma, pensando que isso era crescimento, reduziu muitíssimo a capacidade de visão para dentro da sua alma. Estava por um fio a perda total dessa visão, por que é através do coração, que lhe serve de espelho, que ela se vê, e esse tal “crescimento” tornara baço o coração, onde a alma é reflectida. O brilho do coração tem outra função que funciona em sentido inverso: reflecte para a alma a Luz que vem do Alto, e é dessa forma que a maioria das almas vivem hoje aprisionadas numa angustiante escuridão, definhando a cada dia que passa, por estarem privadas da Luz.

Ao chegar ao portão da quinta, esperava ver o Niko (esse era o nome que ele mesmo tinha dado ao seu fiel amigo) a correr para ele, mas do Niko, nem sinais. Ouviu ao longe uma voz chamar o seu nome. Era seu pai que, ao vê-lo desde o alpendre onde se encontrava, ao lado da casa, correu para o abraçar, enquanto lhe ia falando da única forma que no momento conseguia: estreitando-o em seus braços bem encostado ao peito, o ritmo cardíaco mais acelerado, a respiração quase ofegante e uma torrente de lágrimas, eram a única coisa que conseguia dizer.

Seu pai, acometido de grande emoção, pô-lo ao corrente da situação de sua mãe e do Niko. Ambos têm passado mal na sua ausência. O desgosto levara a que o Niko sofresse mais os efeitos da perda do amigo. Durante muito tempo, nada nem ninguém conseguia que ele deixasse de permanecer junto do portão, esperando que o amigo chegasse a qualquer momento. Emagrecera muito, e nem todos os cuidados veterinários pareciam fazer regredir o desfecho temido. Muitas vezes viam-no os donos, quando dormia, a mexer ligeiramente as pálpebras, percebendo-se um ligeiro movimento da cabeça e como que uma tentativa de surdos latidos. Despertando, olhava em redor e, vendo que afinal a realidade era outra, entregava-se a tristes gemidos, seguindo-se-lhe uma lágrima que chamava a atenção para aqueles olhos que não pareciam mais os do Niko que, segundo o que comentavam os donos entre si, sonhava com o que tanto desejava, o amigo, e ao despertar, vendo que ele não estava, chorava, avivando com isso a dor que os donos sentiam.

Enquanto ouvia tudo isto de seu pai, caminhando vagarosamente à sombra das muitas e variadas árvores de fruto que ladeavam o caminho entre o portão da entrada e o jardim, chegaram a casa.

E porque esta história, quando a comecei com a ideia de me servir de um pensamento que me ocorreu descrevendo-o num pequeno parágrafo, já vai longa por eu mesmo ter gostado dos pensamentos que se sucediam para a sua criação, impõe-se-me que a deixe por aqui, por já ter conteúdo bastante para te permitir perceber o que pretendo dizer-te com ela. Repara que o final não está contado. Ele depende apenas e só de um dos personagens. Queres tu dar-lhe continuidade, dando-me a possibilidade de ver como ela termina?

(...) «Que o Senhor te conceda a sabedoria do coração» (Sir 45, 26a).

«O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te favoreça!» (Nm 6, 25).

Que os Anjos te protejam!

Eu, como o Niko, ficarei esperando à porta, lembrando-me do meu A…, enquanto vou auxiliando o teu Anjo da Guarda com as minhas orações.

Com o coração a verter uma lágrima, aquele que não quer deixar de ser teu catequista,»

J. A. S.

Carta de um catequista a um seu catequizando

«Querido A…:

Que a Luz que recebeste no Baptismo se avive em teu coração depois de leres estas palavras, (…).

Poderá surpreender-te o facto de o teu catequista se dirigir a ti desta forma, quando se trata de alguém que acabaste de conhecer, com quem estiveste apenas durante seis horas − contabilizadas as tuas presenças nos encontros de catequese até ao momento. Mas passo já a explicar-te:

Eu não sou mais do que o simples portador de uma mensagem que não é minha, que te é dirigida, e se não fosse por meu intermédio, poderia até dizer-se expressa e directamente da vontade de Deus.

Eu sei que esta é uma linguagem que pode soar de forma estranha ao teu entendimento, mas como poderá Jesus, como poderão Deus Pai e o Espírito Santo vir a estabelecer contigo uma relação de amizade, capaz de te levar ao desejo das coisas do Alto e ao entendimento de tudo o que fica vedado a todos os que não criam intimidade com Deus, se neste momento estás disposto a deixar a catequese?

Meu querido A… Asseguro-te, baseando-me também em todas as coisas que já vivi, que, todo o sucesso, toda a realização pessoal, tal como hoje nos são apresentados, não passam de enormíssimas falsidades que, em vez de felicidade, quase sempre conduzem a pessoa a um sentimento de vazio, que por sua vez gera frustração. E quando há frustração, há revolta e por aí adiante. (…)

Repara bem, A…, que esse tal vazio, é hoje um fenómeno que atinge as pessoas de todas as camadas sociais, tanto ao pobre como ao rico. Não vemos nós, muitos casos de rapazes e de raparigas, de homens e de mulheres, que, aspirando ao casamento com a pessoa dos seus sonhos, a um bom emprego, a um estatuto social, a altos cargos, a riqueza, a ter filhos, depois de terem conseguido tudo isso ou até mais, passarem a frequentar as salas dos tribunais, os consultórios dos psicólogos e dos psiquiatras e a terem muitos outros problemas?

Por que será A…? Por que será que as pessoas são hoje indiferentes a tudo, inclinando-se assim para o egoísmo, e na questão dos sentimentos parecem distantes, frias, sendo esse o meio para que se tornem ásperas, agressivas nos modos, como se vê em tantos com quem convivemos diariamente e até em muitos que todos os dias vemos nas televisões? Apenas por uma razão fundamental: por estarem privadas dos benefícios que a actividade dos Dons do Espírito Santo em si lhes proporcionaria.

(...) Como já compreenderás neste momento, não é Deus quem priva alguém dos Seus dons, das Suas riquezas. É a pessoa que, ao escolher determinados caminhos, tomando determinadas opções, é ela mesma que se auto-exclui da Herança desse tesouro que é de uma grandeza, de um valor e de uma beleza que o entendimento humano não consegue abarcar, que é o regressarmos ao lugar onde a nossa alma já esteve quando foi criada pelo Pai, à alegria de passarmos a viver em definitivo junto de Deus.

Esse é o estado de felicidade plena, que só no Céu pode alcançar-se. No entanto, para se atingir Deus dessa forma, torna-se necessário e imprescindível que com Ele vivamos nesta vida, recolhidos sob o Seu tecto, que é a Santa Igreja, a única casa onde se encontra o alimento necessário para um crescimento saudável, forte e feliz.

Está bem, mas eu ainda tenho 13 anos, e acho que com isto tudo o catequista me está a falar de coisas que até nem fazem propriamente parte das preocupações da minha idade, pensarás tu. Se assim pensares, que acredito que seja o mais natural, caso contrário não me tinhas comunicado que ias deixar a catequese, estás a ser invadido pelos pensamentos mais insensatos, sempre responsáveis pelas erradas decisões.

(…) Que mais te posso dizer, meu A…?

Embora o texto já vá longo, permite-me partilhar um momento muito particular: ao acabar de escrever a frase anterior, relendo o que escrevi, os olhos ficaram-me molhados pelas lágrimas, pois, sendo o pensamento muito veloz, detive-me neste ponto: “meu A…”. E pensei: estou a dizer “meu A…” e ele já a ir-se embora… Não, vou corrigir esta parte, porque estive muito pouco tempo com ele para poder tratá-lo assim, e também não faz sentido eu dizer “meu” a alguém que já não é… E eis que de repente apercebo-me de uma coisa estranha: estou a chorar… É então que me sobreveio outro pensamento: quem escreveu fui eu, mas o autor foi Jesus, e se assim é, Ele tem toda a legitimidade para dizer: meu A… E quanto ao resto, dado que em minhas orações o que eu mais Lhe peço é que me faça Seu instrumento, utilizou-me para assim te falar, ao ponto de não excluir a minha sensibilidade, que procuro que seja o mais ajustada possível à d’Ele, (...).

E agora sim, para terminar, uma história:»

(Continua)

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Água benta não!

Aconteceu há uns anos atrás. Poucos minutos faltavam para começar a Missa e, ao fundo da igreja, que era na verdade um espaço provisório até que fosse construída a igreja que hoje existe, junto à porta de entrada, chamou-me a atenção uma jovem senhora, não por ser desconhecida, pois nunca por ali a vira, mas por alguma outra razão.

Já não me recordo do que lhe disse quando me dirigi a ela, mas terá sido algo relacionado com o acolhimento que lhe quis prestar.

Momentos depois, porque eu tinha ido a outras salas, creio que, à procura de alguém que estava escalado para as leituras daquele Domingo, vejo-a no espaço que fazia de antecâmara a essas outras salas, ficando eu com a ideia de que talvez me tenha seguido, por eu ser a pessoa que lhe dera atenção e quiçá por ser isso mesmo que ela buscava.

Mal eu parei junto dela, sem que lhe tocasse, porque anteriormente tinha-o feito, cai no chão, como se tivesse desmaiado. Dois outros membros da comunidade foram solícitos a acudir, para ajudá-la a recompor-se.

Rápido nos apercebemos, porém, de que não se tratava de uma questão qualquer de saúde. A pobre começa a agitar-se e a emitir sons como um animal enraivecido, mas num timbre de voz que não era o seu, era mais grave.

Ali estávamos três, de entre os vários membros da comunidade empenhados nos vários serviços da paróquia, desde os litúrgicos à pastoral, mas que éramos acima de tudo três homens de oração. Talvez por isso tenha havido da parte de cada um uma resposta natural ao quadro que se nos apresentou, sem que aquilo nos espantasse, nem mesmo causasse uma grande admiração.

Começámos a rezar. Inicialmente, eu fiz oração mental, e sem conhecimentos ou preparação para tal, com alguma ingenuidade à mistura, sustentando-me apenas na fé da Igreja, ousei acreditar que podia ordenar ao mal que cessasse, em vez de fazer a oração de petição ou súplica ao Pai. Enquanto isso, e porque naquele pequeno grupo de três havia dois ligados ao Renovamento Carismático, um destes disse ao outro para rezarem em línguas, o que fizeram enquanto o terceiro evocava o poder de Cristo sobre o mal e a Sua vitória pela Cruz.

Creio que foi nessa altura que a criatura começou a rir-se e a fazer troça da cruz, não obstante o facto de já estar a ser empunhado diante dela um crucifixo. Foi nesse momento que, aquilo que até ali para mim era uma suspeita passou a certeza. Foi-me dado ver claramente quem tinha diante de mim, quando a criatura, com um orgulhoso tom de vitória, afirma alto e em bom som:

− O mundo é meu!... Quem Te crucificou fui eu! Eu, crucifiquei-Te! Eu domino o mundo! (1)

Iluminado pelo Espírito Santo ou por que visse que era tarefa demasiada para nós, um dos três pediu que trouxessem água benta, enquanto assistíamos àquela gabarolice. E quando estava para lhe ser administrada, sem que tivesse abrandado o empenhamento de cada um, o “discurso” foi interrompido pelas seguintes palavras:

− Isso não, água benta não!... Isso arde!..

E por desconforto, rejeição ou mesmo dor, quando recebeu a água benta, com um «aaah!…», contorcendo-se, deu por terminada a sua “apresentação”.

O que se seguiu foi para mim um momento comovedor. A pobre mulher, com voz suave e suplicante, começou a rezar o Credo, vindo a levantar-se como se nada tivesse acontecido, a não ser um aparente cansaço.

Procurei mais tarde saber desta filha de Deus, por me inquietar com o seu sofrimento. Soube que morava para os lados da pessoa que me disse conhecê-la, vindo depois a perguntar por ela aos vizinhos do prédio onde morava, que me disseram já não estar ali, que tinha sido internada no Hospital Júlio de Matos. Obviamente que não lhes disse nada sobre os motivos por que a procurava, dada tamanha incompreensão que hoje existe sobre a área da demonologia, para a qual muito contribui o modernismo (2) que se instalou na Igreja de Cristo e que chega mesmo a negar a existência do diabo, incorrendo em heresia quem tal coisa defende, ao negar um dos quarenta e três Dogmas (3) da Igreja.

Na minha paróquia, na altura, havia água benta para uso dos fiéis. A partir do momento que foi inaugurada a igreja, como parece acontecer em todas as igrejas mais recentes e até nas antigas mas com padres modernos (pese embora alguns já tenham mais do que idade para terem juízo), a água benta já não se encontra…

Depois do que acabo de expor, pergunto aos senhores bispos e aos senhores padres:

Quem é que se revela mais interessado em que não haja água benta nas igrejas? Porque não reparais então o mal, diminuindo assim o sofrimento de Nosso Senhor, que vos vê impedir os seus filhos de acederem a este sacramental e seus benefícios?

Vós, pregadores da Palavra, atendei ao pedido cada vez mais actual de S. Pio X, que, na sua ENCÍCLICA PASCENDI DOMINICI GREGIS sobre as Doutrinas Modernistas, aí vigorosamente condenadas, a todos diz: «Queira Deus secundar os Nossos desígnios, e auxiliarem-nos todos quantos têm verdadeiro amor à Igreja de Jesus Cristo».

Queira pois, algum de vós, curadores de almas, deixar-se mover pela compaixão em favor desta filha de Deus. Fico à espera de algum contacto, para o endereço indicado ao início da página.

_________________ 
(1) A ordem das frases pode não ter sido exactamente a mesma.
(2) Para algum leitor menos esclarecido, Dogma é uma verdade declarada como tal pelo Sagrado Magistério da Igreja, depois de muito estudo, debate e oração sobre matéria até então controversa. Pode dizer-se, por isso, que é uma verdade revelada por Deus, como tal, o Dogma é imutável e definitivo (não pode ser revogado).
(3) Corrente teológica/filosófica condenada pela Igreja, que actua bem dentro do seu seio.

Onde estão os católicos?

Num país em que se diz que a democracia está solidificada há já alguns anos, aparecem uma ou outra vez leis completamente contrárias ao que seria uma verdadeira e respeitosa convivência entre os mais diversos ideais, sejam eles de ordem sociológica, política, ou religiosa.

Eu creio que democracia é o ter e usar de liberdade para agir, quando para isso se foi mandatado, não deixando nunca de respeitar e considerar ideias diferentes, decidindo sempre em favor da maioria dos interessados. Quando tal não acontece, os que parece até babarem democracia em seus discursos, são os maiores impostores, porque levaram aqueles que neles votaram a acreditarem que eram de facto democratas. O ser democrata implica a aceitação e a sujeição às inalienáveis regras ético-deontológicas que a democracia comporta, coisa que parece constatar-se no proceder dos nossos políticos apenas quando é para ficar bem na “fotografia”.

Assemelhando-se a realidade da vida política a um género desses concursos que têm passado nas televisões, será que o “público”, neste caso, entenda-se, os católicos, conhecendo cada vez melhor os vários “actores” concorrentes a “ficar no palácio”, vai continuar a votar na “família” que só representa muito bem quando se trata de tragicomédias, cantando também muito bem apenas e só no entender dos amigos? Será que da parte do “público” ainda ninguém se apercebeu de sinais claros de falta de seriedade para alcançarem os seus objectivos?

Veja-se uma situação no mínimo suspeita:

Quando decorria a campanha para o último referendo do aborto, contactei a Comissão Nacional de Eleições para me inteirar sobre a legalidade da constituição de uma mesa de voto numa freguesia, quiçá a mais populosa da área metropolitana de Lisboa. Perguntava eu à técnica que me atendeu, creio que, jurista, como era possível que uma mesa de voto fosse constituída só por elementos dos partidos que promoveram o Sim ao aborto. Depois de me ter sido explicado que as listas com os nomes dos membros das mesas de voto têm um prazo para poderem ser contestadas, foi-me ainda referido, como que para atestar da seriedade que estaria garantida na contagem dos votos, que há um elemento em cada mesa com a função de fiscalizar toda a contagem.

Depois de ter ouvido isto, tive que pedir desculpa à pessoa que me atendeu, por ter dado uma real e grande gargalhada e, justificando a dita, tive que lhe dizer que tal função ia ser desempenhada por uma pessoa que era apenas e só do Bloco de Esquerda…

Pois é, caríssimos leitores, com esta gente, primeiro foi a retirada dos crucifixos das salas de aulas, como se o povo português tivesse ficado de um momento para o outro todo convertido ao Islão; depois foi a história do primeiro referendo ao aborto lhes ter ficado atravessada, não descansando enquanto não demonstraram como “são de facto democratas” ao não aceitarem a decisão do povo, tudo tendo feito para levarem a sua avante; e a última, foi a lei que criaram para que seja retirado o nome dos Santos de todas as escolas…

Cá para mim, o Governo tem alguma secreta comissão de estudos que o informou que o insucesso escolar se deve a esse facto de muitas escolas deste país terem o nome de algum Santo. Se assim for, e se se descobriu que afinal o Santo cujo nome tenha sido dado a uma escola anda a importunar os nossos meninos que nela aprendem, sou de acordo que se corra com ele, ou então, se for caso disso, chamem a polícia!...

Não pensem que é o interesse pela política que me leva a escrever este texto, pois, política, é coisa que cada vez mais enjoo. O que me move é a defesa de valores que há séculos fazem parte da cultura de um povo religioso que somos; é o constatar que os católicos andam a ficar demasiado frouxos, como se, ser católico seja o mesmo que ser masoquista…

Não é, portanto, como cidadão, mas como católico que vos pergunto: como é possível que gente que tem como escola a maçonaria, como afirmou numa grande entrevista o Grão Mestre da Loja maçónica do GOL em 2002, e depois de já terem dado provas do seu ódio contra a Igreja, tenham sido eleitos com o voto dos católicos? Quem não conheça ainda as razões que os motiva, faça uma leitura breve da História desde a 1.ª República e verá que já o então discípulo de Satanás, o Ministro das Finanças e Ministro de Cultos, Afonso Costa, foi seu feroz perseguidor, chegando a afirmar: «Dentro de duas gerações, a Religião Católica terá deixado de existir em Portugal».

Que Deus se compadeça da nossa Pátria e ilumine as consciências cívicas de todos os que ainda se dizem cristãos, pois, quem se esforça por ser Cristão, com as dificuldades que muitas vezes isso implica, não pode carregar aos ombros um fardo que é tão pesado que o impede de caminhar.

Quando se descobre o erro, só não muda de ideias quem, cego pelo orgulho, não experimenta a simplicidade da razão.

J. A. S.

A astúcia da Clamídea

Aquilo que as notícias nos têm mostrado sobre os índices da criminalidade, são cada vez mais preocupantes. O crime com o uso de violência tem vindo a aumentar. Muitas escolas e áreas envolventes, devem estar em destaque nos mapas das forças policiais, por fazerem parte dos pontos críticos da sua área de actuação.

A criminalidade e a delinquência associadas a esses meios, têm sido responsáveis por muita inquietação nas famílias que tenham seus filhos ou netos a estudar em escolas algo problemáticas. O medo que se instala em primeiro lugar nos miúdos que já tenham sido vítimas de assaltos ou receio de virem a ser os próximos, e até mesmo nos próprios pais, é um facto que tem motivado debates e formas de acção com vista a controlar esse mal que afecta as populações escolares.

Face a esta problemática geradora de sentimentos de medo e insegurança, coloco ao leitor e às entidades responsáveis pela “educação (?...)” no meio escolar, a seguinte questão:

Se alguém tivesse a ideia de lançar uma campanha de sensibilização nas escolas para que as nossas crianças, adolescentes e jovens, conhecessem os métodos de actuação dos grupos que aterrorizam tanta gente, seria boa ideia?

Crendo que a esta pergunta poderia ter a anuência da maioria, continuo:

E uma vez reconhecida e validada a importância dessa campanha por parte do Ministério, alegando que o objectivo era dar aos miúdos todo o esclarecimento necessário, que acham se se avançasse para a apresentação de tudo quanto faz parte dos meios utilizados pelos grupos de vândalos e assaltantes? E querendo ser mais abrangente, que tal dar-lhes formação sobre os produtos utilizados nos bares e discotecas, usados muitas vezes para “adormecer” as vítimas de roubos e de violações? E à medida que os alunos fossem tendo capacidade para tal, porque não dar-lhes também formação sobre os vários tipos de objectos e armas que andam por aí a operar, pondo-os mesmo em contacto com elas, permitindo-lhes o seu manuseamento?

Calma!... Escusam de me chamar o que já estão a pensar, porque não pretendo propor esta “disciplina”...

Pois bem: passando deste “projecto” a um outro que foi apresentado aos pais que em Abril do ano passado estiveram na reunião periódica de encarregados de educação e que está a ser levado a cabo pela Universidade Nova de Lisboa, por ser um pai que se nega a estar de acordo com algumas “preocupações” que a União Europeia tem em relação aos educandos, “preocupações” também sentidas pelos nossos governos, contestei o plano de acção ou projecto apresentado.

Tendo-se apresentado na sala uma professora para pedir aos pais que assinassem um documento identificando-se a si e ao seu educando, declarando se autorizavam ou não que o aluno participasse numa acção de formação (?) sobre as doenças sexualmente transmissíveis, disse que os pais tinham que assinar, independentemente de autorizarem ou não, identificando-se a si e ao aluno. No final eu disse que, se não fosse uma falta de respeito para com ela, nem aquela folha preenchia. Em toda a sala, fui a única pessoa que se manifestou abertamente contra “as preocupações” que a professora disse haver no seio da U. E. e que estão na origem deste projecto.

Com a lição muito bem estudada, usou do engodo de enumerar algumas das doenças sexualmente transmissíveis, chamando, obviamente, a atenção para os perigos que elas podem comportar. E como que num gesto de xeque-mate à concordância dos pais, astutamente, à lista das vulgarmente conhecidas, acrescentou uma outra cujo nome escreveu no quadro: a Clamídea. E assim terá obtido a adesão de muitos pais, tanto naquela como em outras salas onde terá usado exactamente a mesma estratégia...

Explicando eu as razões pelas quais não autorizava que o meu filho participasse, disse em primeiro lugar que não estava nada preocupado com nenhuma doença sexualmente transmissível, nem mesmo com a Clamídea, cujo nome ali ouvi pela primeira vez, dado que a melhor preparação ou ensinamento que tenho dado aos meus filhos, é o próprio testemunho de vida, aproveitando para dizer:

− Em 82, estando na tropa, namorei com uma rapariga de quem gostava. Gostava-mos um do outro, mas a determinada altura concordámos em parar. Hoje posso olhar o marido dela olhos nos olhos, uma vez que, o gostar dela era para mim sinónimo de respeito, tendo terminado o namoro sem que lhe desse um beijo nos lábios.

Recorrendo a uma outra forma de cartada psicológica, a defensora do programa, querendo tocar o ponto fraco das pessoas, disse que teve conhecimento de que um jovem médico, hoje com SIDA, contraíra a doença no seu primeiro ano de universidade...

E aquilo não poderia ficar sem mais uma intervenção minha, que poderá ter chocado algumas sensibilidades − e estou certo que chocará a de alguns leitores −, ao dizer:

− Olhe... não tenho pena nenhuma!... Teria pena desse jovem, se me dissesse que, por via de um acidente, por causa de uma cirurgia ou assim, tivesse sido infectado, agora por quem pratica sexo antes ou fora do casamento... não tenho pena nenhuma! A prática sexual não tem contra-indicações no matrimónio, dando até beleza e tempero à relação, fora disso, quem pisa o risco que assuma as consequências!... (Quem não me conheça bem dirá que isto não são palavras de uma pessoa que sofre com os problemas dos outros, mas uma coisa é a atitude cristã para com quem errou, outra coisa é tolerar o erro, que quase sempre tem uma abrangência que conduz a uma chaga para os mais próximos e até para a própria sociedade).

Em jeito de resposta à minha intervenção, apenas uma mãe tomou a palavra para dizer que estava de acordo comigo, porém, chamou-me a atenção para o facto da existência dos problemas que não podemos ignorar...

E agora, digo eu: lá isso é verdade! Mas acham que o problema se combate ensinando tudo às crianças? Permitindo programas escolares que não servem para outra coisa senão ao incitamento da prática sexual?

Os pais e demais educadores em geral, ao permitirem estas políticas anti-natura, estão a fazer exactamente o mesmo que faria aquele pai, a cujo filho, só porque o seu grupo de amigos costuma fugir com uns carros, era ensinado um melhor conhecimento dos veículos automóveis, assim como todas as artimanhas para evitar ser apanhado pela polícia, uma vez que ainda é menor... Não digam que não é a mesma coisa, porque é! O princípio é exactamente o mesmo. Se a este hipotético jovem se lhe dava o conhecimento para não ser apanhado pela polícia, aos verdadeiros ensina-se-lhes a precaverem-se para não serem apanhados por uma doença...

Onde está a vossa coerência, ó pais e educadores em geral? Como é que não concordam com a “ideia” atrás apresentada, argumentando que isso seria um incitamento disfarçado ao uso de armas, e não se manifestam contra aquilo que astutamente é apresentado como programas de “educação” sexual?

Quanto às leis civis, o seu desconhecimento não iliba ninguém do seu cumprimento nem livra da pena a aplicar. Quanto à Lei de Deus, que ninguém pense que, pelo facto de um Estado tornar lícito o pecado, vai ser dispensado da Justiça Divina. Nesse Tribunal, de nada vale dizer que, “toda a gente fazia... era legal”, etc., etc.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

O Nome de Deus

Pastoreava Moisés os rebanhos de seu sogro, Jetro, sacerdote em Madiã, no monte Horeb, também conhecido por Monte Sinai (cf. 2Cr 5, 10), e eis que se depara com o fenómeno de um fogo misterioso.

Impelido tanto pelo espanto como pela curiosidade, aproxima-se daquele fogo, mas é detido pela voz de Deus que saía do meio daquela sarça ardente, ordenando-lhe que parasse, que não se aproximasse, pois encontrava-se num espaço sagrado porque Deus ali se fizera presente, dizendo-lhe ainda que, por isso, por respeito, descalçasse as sandálias.

Estabeleceu-se então um colóquio, no decorrer do qual Moisés foi instruído para uma missão, a de voltar ao Egipto para libertar o Povo de Deus. Depois de muito se debater, entendeu Moisés que, para a levar cabo, precisaria de apresentar aos anciãos como que uma prova de que fora o próprio Deus, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob quem lhes falava (cf. Ex 3,6), e colocou a Deus a seguinte questão: «Eis que eu vou ter com os filhos de Israel e lhes digo: ‘O Deus dos vossos pais enviou-me a vós’. Eles dir-me-ão: ‘Qual é o nome dele?’ Que lhes direi eu?» (Ex 3,13), e obteve como resposta: «Eu Sou» (YHWH). «EU SOU AQUELE QUE SOU» (cf. Ex 3,14).

Se misterioso era o Nome de Deus, misterioso se manteve, pois, a resposta que Moisés obtivera levaria a que Seu Nome fosse impronunciável. Vários nomes foram dados ao Deus de Israel, sem que na verdade se tratasse de nomes, mas de atributos ou qualidades de Deus.

Eis apenas alguns desses nomes ou títulos: Shaddai, Elyon, Adonai, Yahweh, Elohi, Emanuel.

Se alguém quiser dissertar sobre o Nome de Deus, tem que se cingir ao designado Tetragrama Sagrado, YHWH, que também se pode encontrar de outras formas como JHVH, JHWH, ou YHVH. E não existe nenhum outro nome a não ser este que jamais alguém conseguiu pronunciar.

Na sua origem, o Tetragrama (quatro letras), escrito em hebraico e da direita para a esquerda, ao contrário da nossa escrita, era composto pelas seguintes consoantes: ה ו ה י Estas consoantes pronunciam-se: י = Iod, ה = Hêi, ו = Vav, ה = Hêi.

Um nome composto por quatro consoantes, era, pois, e continua a ser, impronunciável. Mais tarde, no decorrer da própria evolução da língua hebraica, foram-lhe introduzidas vogais, podendo então dizer-se YaHWeH (Javé), ou YeHoWaH (Jeová), mas isto nada veio alterar, uma vez que se trata apenas da forma de pronunciar estas consoantes... Nos textos sagrados, para evitar a referência a «Eu Sou», ou, «Aquele que É», passou a dizer-se simplesmente O Senhor, Deus. Portanto, vemos claramente que nunca se tratou nem pode tratar-se do Nome de Deus, porque em parte alguma da Bíblia vemos que Ele o tenha revelado.

Se ocorre pensar que o povo de Israel, os Hebreus, “deram a conhecer” um Deus inacessivel, questionemo-nos se não seremos nós os cristãos quem já perdeu todo o respeito por Ele, mesmo depois de se tornar tão humana e divinamente acessível com a descida à humanidade de Jesus, que veio trazer-nos um outro entendimento de Deus, um só Deus em três Pessoas, Pai, Filho, e Espírito Santo.

Saiba cada um de nós mergulhar tão confiadamente nas profundezas do Amor que por nós sente o Senhor (palavra sempre utilizada nas Escrituras em substituição do Tetragrama), que sintamos a necessidade de O tratar por Abba (Pai, ou Paizinho − Rm 8,15).

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

LÁGRIMAS DE MÃE

Certo dia fui ao Hospital de Amadora Sintra visitar uma doente. Ao entrar no quarto, dirigi uma palavra às que já tinha visto no dia anterior, bem como às que via pela primeira vez. Entre estas, encontrava-se uma jovem que iria naquela tarde ser operada. A curta conversação que entre nós se estabeleceu foi de certa forma a que o momento requeria.

Pouco tempo depois chega o marido e os seus olhos adquiriram outro brilho.

O tempo passou depressa e quando começo a dar uma palavrinha a cada doente porque estava para sair, verifico que aquela jovem estava com a cabeça voltada para o lado, de olhos fechados, levando-me a pensar que teria adormecido pela acção do soro. Ao passar junto dela detive-me um pouco, ao constatar que ela tentava era disfarçar algumas lágrimas.

Segurando-lhe a mão, tentei animá-la. E como resposta a algumas palavras minhas, negou que fosse o medo ou qualquer nervosismo, nem tão pouco o ter ficado sozinha depois de o marido se ter ausentado, a causa daquelas lágrimas. E explicou:

− É o meu mais pequeno, que tem hoje uma consulta, e tem que ser o meu marido a ir com ele. E à noite quando chegar a casa vai perguntar por mim...

Numa claríssima falta de tacto, tentava dizer-lhe que não era razão para estar assim; até que, assistido pelos olhos da alma, pude claramente compreender o que se passava no coração daquela jovem, anuindo ao seu sentimento:

− Compreendo. Então é pelo “simples” facto de ser Mãe.
Esfregando os olhos enquanto tentava recompor-se, respondeu, sorrindo:

− Pois é...

Ainda não me tinha despedido, quando chega um funcionário a dizer-lhe que estava na hora, que ia levá-la para o bloco operatório. Saí, e já no corredor, olho para trás e surpreendeu-me a serenidade dela, como se o funcionário estivesse a oferecer-lhe um chá...

Admirando aquela jovem, vi na sua compostura a confirmação de que não era qualquer medo ou receio da operação a origem daquelas lágrimas, eram de facto e apenas Lágrimas de Mãe.

sábado, 5 de janeiro de 2008

A linguagem dos símbolos e o poder da imagem

Uma linguagem própria dos símbolos foi sendo desenvolvida e aceite até aos nossos dias, desde que o homem sentiu necessidade de comunicar. As mais antigas formas de comunicação documentadas terão a sua origem na arte rupestre. Desde então até à actualidade não parou o homem de desenvolver a arte de melhor comunicar, chegando a criar códigos para que os não destinatários não pudessem entender a mensagem.

Vista como uma crença envolta em superstições e contra a religião do estado, a fé professada em Cristo pelos primeiros cristãos valeu-lhes uma impiedosa perseguição, o que os levaria a ir passando as suas mensagens pelo uso de acrósticos(1), acrónimos(2) e por outro tipo de codificação como os monogramas e os símbolos, neles ocultando a sua identidade de cristãos. Essa perseguição foi particularmente sentida na segunda metade do séc. I, com Nero no poder, e com Diocleciano no início do séc. IV, instigado por Galério, um de seus tetrarcas.

A desfavorável situação político-religiosa que sobre os cristãos recaía, levou-os a formas de comunicação próprias de grupos marginais que vivem na clandestinidade. Desses registos, talvez o mais conhecido seja o acróstico ICTUS(3). Estas letras do alfabeto grego eram dispostas verticalmente, de forma a que cada uma fosse a inicial em cada linha ou parágrafo. Assim, a palavra peixe, que é o que ICTUS quer dizer em grego (no grego antigo), significava as iniciais de Iesus Christos Theou Uios Soter, que quer dizer, Jesus Cristo de Deus Filho Salvador (há autores que dizem de maneira diferente: Jesus Cristo Filho de Deus e Salvador).

Passando o acróstico a ser usado como um acrónimo, para dizerem Iesus Christos Theou Uios Soter, diziam simplesmente ICTUS, da mesma forma que nós dizemos apenas INEM quando queremos referir-nos ao Instituto Nacional de Emergência Médica, e dado que a palavra quer dizer peixe, então para simplificarem a mensagem, passaram simplesmente a desenhar um peixe.

Outra forma utilizada eram os monogramas obtidos pelas letras (também do alfabeto grego) XP sobrepostas, como ainda hoje vemos nas nossas igrejas, que querem dizer as iniciais de CRisto (X = qui; P = rho, ou rô) e aquele outro que também já muito temos visto, o JHS = Iesus Hominun Salvator, que traduzido quer dizer, Jesus Salvador dos Homens.

Apesar de as perseguições ao cristianismo terem acabado após Diocleciano com o imperador Constantino, por muito ter pesado até então nos cristãos o horror sentido pela infâmia da Cruz, só no séc. V - VI começaram a ver-se os primeiros crucifixos.

Não obstante o próprio tempo decorrido e os progressos da Igreja nos mistérios de Deus sob a condução do Espírito Santo, há ainda hoje quem não entenda o fundamental do maior acontecimento da história da humanidade, o Mistério da crucificação do próprio Deus feito homem. Ultrapassado o choque de tal Acontecimento e começando a cicatrizar no coração dos cristãos a ferida causada pela infâmia da Cruz, recorreu a Igreja à imagem, propondo com ela a lembrança dos episódios mais marcantes na cristandade e para que ao mesmo tempo servisse como método pedagógico-catequético com vista a suscitar no cristão a contemplação da vida ou acontecimentos nela representados.

Sob esse entendimento, enriqueceram-se os templos de valiosíssima arte iconográfica, a muitos deixando de “boca aberta” a perfeição, o requinte e a beleza das obras que tão bem retratam acontecimentos da vida de Jesus e dos santos. Templos há, em que o fiel é automaticamente remetido à sua pequenez, ao sentir-se reduzido pela imponência, majestade e beleza de toda a obra, onde tudo parece apelar e concorrer para a Majestade e Glória de Deus.

Eloquentes catequeses conseguiram os artistas através das imagens. Quantas vezes já contemplámos obras tão perfeitas que nos fizeram escapar a expressão do nosso espanto, da nossa admiração? Quantas vezes já nos sentimos arrebatados pela realidade que a obra traduz? Quando assim acontece, é o sinal claro de que o artista conseguiu plenamente passar a mensagem pretendida através da imagem.

O que vi há uns dias em Fátima, após a visita à nova igreja plantada no recinto do Santuário e sobre a qual já escrevi um outro artigo, leva-me a colocar ao leitor a seguinte questão:

Quantos quadros tem nas paredes de sua casa que tenham apenas a moldura? Nenhum, certamente! Quantas fotografias traz na carteira, com o fundo todo em branco, sem que pessoa ou coisa alguma nelas se veja e com os dizeres: este é o meu pai; este é o meu filho; esta é a minha esposa, para que as pessoas a quem as mostra possam saber de quem se trata? Pois, estamos a falar do absurdo…

Pois foi coisa do género que eu vi, num lugar onde não seria de esperar, num seminário. Num espaço que antecede a entrada para a igreja, onde entrei para participar na Santa Missa, deparei-me com algo muito semelhante, o que não causaria tanta surpresa se não se tratasse de um seminário e se não tivesse os tais dizeres…

O “quadro” em questão, como que para que não restassem dúvidas, tinha a tal indicação, faltando porém o mais importante, que era a imagem da pessoa em causa. Os dizeres eram aqueles que Pilatos mandou colocar no instrumento último da Tortura do Próprio Deus.

Na Igreja, o dom dos artistas sempre foi aproveitado para que a imagem tenha sobre nós o poder de nos ajudar a sentir a realidade representada. Porém, nos últimos tempos, se até os próprios seminários abriram as portas a uma “arte” completamente contrária a este princípio, como não havemos de sentir um incómodo vazio nos templos edificados no pós Vaticano II, onde não existe nada que favoreça a necessária atmosfera espiritual que nos envolve e nos eleva a um nível mais alto, ao sagrado?
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(1) É uma forma poética de construir uma palavra ou uma frase, lendo na vertical as primeiras letras (ou outras) de cada parágrafo ou linha do texto. Como exemplo, nos três primeiros parágrafos deste artigo, encontramos o acróstico UVA.
(2) Conjunto de letras, pronunciado como uma palavra normal, formado a partir das letras iniciais. Exemplo: para dizermos Organização do Tratado Atlântico Norte, dizemos simplesmente OTAN.
(3) As letras do grego antigo são caracteres cujo formato não é possível aqui apresentar.