(Continuação do artigo “Carta de um catequista a um seu catequizando”)
Um menino, de seis ou sete anos, um dia disse a seus pais que gostava da casa para onde tinham mudado, mas que gostaria muito de ver satisfeito um seu desejo há muito manifestado, que os pais sempre adiaram derivado a morarem num apartamento. Uma vez que tinham passado a morar numa quinta, no dia seguinte, ao chegar da escola, seu pai esperava-o com uma grande surpresa: um belíssimo e ternurento cachorrinho.
Cedo se tornaram companheiros inseparáveis, de tal forma, que, o outrora cachorrinho, depois de se ter tornado um grande e belo cão, tinha memorizado todos os tempos que o seu amigo tinha que dedicar aos trabalhos, e quando ele se demorava um pouco mais, subindo com jeito a um canteiro em frente de uma janela, porque sabia que os donos lhe ralhavam, levantando-se, apoiava as grandes patas no parapeito da janela e, para não fazer grande alarido − não fossem vê-lo naquelas tropelias em cima do canteiro −, batia com uma pata no vidro da janela, chamando o amigo para irem para a brincadeira.
Quando o menino regressava da escola, mesmo estando ainda longe de casa, sua mãe era avisada da sua aproximação através das manifestações de alegria do seu maior amigo, o cão, que nessa altura procurava a dona para dessa forma a avisar e mostrar-lhe ao mesmo tempo o seu contentamento pela chegada daquele que era sempre recebido segundo mandam as regras à cão: as patas em cima, levando a que muitas das vezes os dois se rebolassem pelo chão, umas rosnadelas enquanto o ia abocanhando por onde pudesse, mas sem o magoar, terminando sempre a recepção da mesma maneira: encher o menino de beijos, que é o mesmo que dizer, deixar-lhe a cara toda lambuzada.
O tempo foi passando, e, já mais crescido, sem que houvesse qualquer razão que o justificasse, o rapaz telefonou para casa, para dizer que não o esperassem, porque ia dormir em casa de um amigo. Só não disse que essa seria apenas a primeira de muitas noites que faziam parte do plano de deixar a casa paterna, seduzido pelas ideias liberais que acolheu de quem sobre ele exercia poder de influência.
Em vão os pais se esforçaram por encontrá-lo.
Uns meses depois, decidiu passar por casa para levar umas coisas de que necessitava.
Esta experiência transformara o seu coração mais do que o que a inteligência lhe permitia perceber. Era sua convicção que, junto dos outros, da maioria, dos que “curtem cenas”, que não são “betinhos”, agora estava mais capaz para a vida. O que ele não via, era que a mudança nele operada tinha raízes mais fundas. Não se tratava simplesmente de comportamentos ou ideias assimiladas, mas do que fora sacrificado, que era a candura e o brilho do seu coração. Evoluindo desta forma, pensando que isso era crescimento, reduziu muitíssimo a capacidade de visão para dentro da sua alma. Estava por um fio a perda total dessa visão, por que é através do coração, que lhe serve de espelho, que ela se vê, e esse tal “crescimento” tornara baço o coração, onde a alma é reflectida. O brilho do coração tem outra função que funciona em sentido inverso: reflecte para a alma a Luz que vem do Alto, e é dessa forma que a maioria das almas vivem hoje aprisionadas numa angustiante escuridão, definhando a cada dia que passa, por estarem privadas da Luz.
Ao chegar ao portão da quinta, esperava ver o Niko (esse era o nome que ele mesmo tinha dado ao seu fiel amigo) a correr para ele, mas do Niko, nem sinais. Ouviu ao longe uma voz chamar o seu nome. Era seu pai que, ao vê-lo desde o alpendre onde se encontrava, ao lado da casa, correu para o abraçar, enquanto lhe ia falando da única forma que no momento conseguia: estreitando-o em seus braços bem encostado ao peito, o ritmo cardíaco mais acelerado, a respiração quase ofegante e uma torrente de lágrimas, eram a única coisa que conseguia dizer.
Seu pai, acometido de grande emoção, pô-lo ao corrente da situação de sua mãe e do Niko. Ambos têm passado mal na sua ausência. O desgosto levara a que o Niko sofresse mais os efeitos da perda do amigo. Durante muito tempo, nada nem ninguém conseguia que ele deixasse de permanecer junto do portão, esperando que o amigo chegasse a qualquer momento. Emagrecera muito, e nem todos os cuidados veterinários pareciam fazer regredir o desfecho temido. Muitas vezes viam-no os donos, quando dormia, a mexer ligeiramente as pálpebras, percebendo-se um ligeiro movimento da cabeça e como que uma tentativa de surdos latidos. Despertando, olhava em redor e, vendo que afinal a realidade era outra, entregava-se a tristes gemidos, seguindo-se-lhe uma lágrima que chamava a atenção para aqueles olhos que não pareciam mais os do Niko que, segundo o que comentavam os donos entre si, sonhava com o que tanto desejava, o amigo, e ao despertar, vendo que ele não estava, chorava, avivando com isso a dor que os donos sentiam.
Enquanto ouvia tudo isto de seu pai, caminhando vagarosamente à sombra das muitas e variadas árvores de fruto que ladeavam o caminho entre o portão da entrada e o jardim, chegaram a casa.
E porque esta história, quando a comecei com a ideia de me servir de um pensamento que me ocorreu descrevendo-o num pequeno parágrafo, já vai longa por eu mesmo ter gostado dos pensamentos que se sucediam para a sua criação, impõe-se-me que a deixe por aqui, por já ter conteúdo bastante para te permitir perceber o que pretendo dizer-te com ela. Repara que o final não está contado. Ele depende apenas e só de um dos personagens. Queres tu dar-lhe continuidade, dando-me a possibilidade de ver como ela termina?
(...) «Que o Senhor te conceda a sabedoria do coração» (Sir 45, 26a).
«O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te favoreça!» (Nm 6, 25).
Que os Anjos te protejam!
Eu, como o Niko, ficarei esperando à porta, lembrando-me do meu A…, enquanto vou auxiliando o teu Anjo da Guarda com as minhas orações.
Com o coração a verter uma lágrima, aquele que não quer deixar de ser teu catequista,»
J. A. S.
1 comentário:
ola passando pa bisbilhotar...lindooooo .... usa muito bem as palavras... alguns texto mais perfeito que outros mas o interessante é defenderes suas ideias...bjokass
valéria...
Enviar um comentário