Muitos, usando da liberdade que o Criador a todos concedeu e jamais deixou de respeitar, não crêem nisto, mas o ser humano, desde a sua concepção, momento em que a alma criada por Deus a ele se une, é concebido para sempre, não apenas para o tempo em que neste mundo vive materialmente.
Então,
se o tempo que vivemos neste mundo é apenas um piscar de olhos comparado com
aquele para o qual todos fomos destinados, um breve caminho a percorrer até chegarmos
à margem do grande mar profundo que todos atravessamos, é de interesse vital
que façamos tal caminho exercitando-nos para a grande travessia.
Toda
a humanidade, e cada um de nós, caminha sem mapa ou qualquer outro meio que lhe
permita saber se ainda se encontra longe ou muito perto da margem do grande mar.
É como estar numa ilha de densas florestas em que tanto dá caminhar num ou
noutro sentido, pois todos vamos dar ao mar, esse mar misterioso porque ainda
desconhecido para nós.
Aquele
que nos lançou nesta aventura, deu-nos inteligência para interpretarmos todos
os sinais que haveriam de nos servir de orientação para chegarmos a um ponto
muito específico da ilha, um ponto que, embora de difícil acesso, é o único onde
uma barca espera os que se deixaram orientar e não pouparam esforços para lá
chegarem, para os levar para a civilização onde serão verdadeiramente e para
sempre felizes.
Assim
aconteceu durante um tempo, até que, vendo que a maioria se inclinava para
outros sinais criados pelo inimigo com o propósito de nos conduzir por caminhos
diversos que só levam a um medonho abismo, o Criador enviou um mensageiro, o
Seu Próprio Filho, que nos trouxe cartas, mapas, bússolas, e até o conhecimento
das estrelas para quando nos perdêssemos na noite. Mas não se ficou por aí.
Comunicou o seu conhecimento e o seu poder a alguns que chamou para o efeito,
dizendo-lhes que levassem a todos os restantes, sem esquecer aqueles que sempre
seguiram outros trilhos e os que já se tinham desviado do caminho seguro, o
conhecimento e o poder que lhes fora transmitido.
Acontece
que alguns de entre os que foram chamados para serem guias, têm dado mau
exemplo. Aproveitando os privilégios da própria condição de guias, são vistos
nos mesmos caminhos onde se encontram os prazeres prometidos a quem seguir os
sinais colocados pelo inimigo. E uma vez infiéis ao compromisso assumido de
permanecerem firmes em seu posto e vigilantes para discernirem o mal que também
a eles e em primeiro lugar procura seduzir, levam a maioria dos caminhantes a
descrerem no caminho onde eles têm seus postos de vigia, o único pelo qual se
pode chegar ao ponto onde a barca espera todo o que foi perseverante.
Se
a culpa deles é imensa, a estultice dos que vão por outros caminhos ainda é
maior ao se justificarem com a infidelidade dos guias. O caminho seguro já foi,
ao longo dos tempos, percorrido por muitos e muitos caminhantes como nós, que
nos deixaram em seus “diários” relatos impressionantes, onde os sensatos e
inteligentes podem ver que afinal as primeiras dificuldades que levam muitos a
desistirem é o contratestemunho de muitos que se deixaram corromper. E os que
perseveraram apesar de todas as dificuldades, assim como outros que ainda estão
como nós a percorrer o caminho, mas esse mesmo caminho certo, mostram-nos toda
a nossa fraqueza, a qual nos leva a julgarmo-nos fortes ao criticarmos os maus
exemplos, e justos por não sermos como eles. Mas também nos mostram o quão contaminados
fomos por um mal que nos impede de vermos sem dificuldade as verdades eternas.
E esse mal, que ataca em primeiro lugar a forma como vemos as coisas, espalha-se
por outras áreas, visando essencialmente a responsável pelas emoções e
sentimentos, daí que, quem dele padece, passa não só a não ver com clareza as
cores do bem e do mal, mas ainda é levado a sentir repulsa, quando não é mesmo
ódio, pelo grupo que fora constituído guia para todos nós, como se o mau
exemplo de muitos deles retirasse as propriedades nutricionais ao alimento que
pelo caminho nos vão dispensando. Desengane-se, pois, de uma vez: sem esse
substancial e energético alimento, dado unicamente nos pontos preparados para o
efeito, todos vamos ficando fracos ao ponto de aceitarmos mudar para outro
caminho menos exigente.
Que
ninguém pense que é dono e senhor de si mesmo. Quem assim pensa não se dá conta
que, mais um ou dois passos, está mesmo à beira do abismo, no qual se
precipitará se insistir em não dar ouvidos a quem do outro lado lhe grita para
que volte para trás.
Agora
para si que se deixou levar pelos que lhe falaram nos prazeres dos outros
caminhos, pare, e procure por si mesmo quais os sinais que indicam o caminho
certo. E porque ninguém lhe pode tirar tal liberdade, decida-se: ou por um dos
muitos caminhos já percorridos, sabendo agora que todos vão dar ao abismo, ou
pelo mais estreito mas seguro, o único que o conduz ao ponto onde se encontra a
barca que o levará para mais além desta ilha onde ainda nos encontramos e para
lá da qual quiçá pense nada mais existir, para onde a completa e verdadeira felicidade
se vive para sempre.
Como
não sabe qual a distância do percurso que lhe foi dado, e por isso desconhecer
se é ainda hoje ou amanhã que chega ao fim, mude hoje mesmo, e corra até um dos
postos dos guias para que lhe passe o salvo-conduto para entrar na barca. Vá,
levante-se e corra!