terça-feira, 20 de outubro de 2020

O que uns escondem e outros ignoram sobre as chamadas energias verdes

Descoberta uma nova galinha dos ovos de ouro, os industriais apresentam-na como a solução para os problemas ambientais, e os governos não só vão atrás como ainda se tornam aliados nessa propaganda.

Desenganemo-nos quanto ao que nos querem fazer crer nesta matéria, quando nos levam a aderir à ideia de que muito podemos contribuir para melhorar o ambiente ao adquirirmos automóveis eléctricos. Quem os adquire saberá dizer que o símbolo Z.E. identifica aquele veículo como não poluidor em CO2, um veículo de Emissões Zero. O que dificilmente saberá é que outros custos ambientais estão por trás, por que, para que esta nova galinha dos ovos de ouro possa dar cada vez mais ovos e nisso não vejamos problema algum, é-nos ocultada a forma como ela é alimentada.

Falando só na indústria automóvel, nem os donos da galinha, nem os seus caixeiros-viajantes, os governos, nos falam dos vários metais raros que são necessários para que um veículo eléctrico se possa mover, nem muito menos dos seus custos ambientais, que vão da extracção, ao que fazer-lhes sem prejuízos para o ambiente quando deixarem de ter utilidade.

Num interessantíssimo filme da RTP Play, que nos fala de “O lado negro das energias verdes”, é dito que, só em cobre, sem falar nos outros metais raros, um carro eléctrico pode conter até 80 Kg. E para a extracção e refinação do cobre, a mina de Chuquicamata, no Chile, fere de morte aquela que é umas das regiões mais desérticas do mundo, ao gastar, arrepiem-se os de recta consciência ecológica, cerca de dois mil litros de água, por segundo!...

Passando para as belas paisagens que ainda vamos tendo neste belo recanto ibérico, se a alguns, quando viajam, já incomoda a “floresta” de torres de energia eólica que dominam a paisagem, outros, de espírito mais ecologista, vêem nisso as energias limpas. É natural que assim se veja, quando se desconhece que, para fazer girar as pás de uma das grandes torres, só no rotor de cada aerogerador é usada uma tonelada de metais raros.

Vejam o filme (link abaixo), e depois tentem interrogar os habitantes das várias Chuquicamatas do mundo sobre a ideia que nos têm estado a incutir ao nos mostrarem a Noruega como exemplo a seguir. Será melhor não o fazerem, para não ouvirem dizer que a qualidade de vida dos ricos tem o custo de milhões de vidas humanas e a morte da própria natureza.

https://www.rtp.pt/play/p7804/e499007/o-lado-negro-das-energias-verdes

terça-feira, 13 de outubro de 2020

Quinze minutos em companhia de Jesus Sacramentado

Meu filho, não é preciso saberes muito para muito me agradares, basta que me ames muito. Fala-me, pois, aqui, com singeleza, como falarias com o mais familiar de teus amigos, como falarias com tua mãe, como falarias com teu irmão.

Precisas de fazer em favor de alguém uma súplica qualquer?... Diz-me o seu nome, quer seja o de teus pais, quer de teus irmãos ou amigos; diz-me o que gostarias que Eu fizesse por eles... Pede muito, muito; não receies pedir-me, gosto muito dos corações generosos, que chegam a esquecer de certo modo as necessidades próprias para atenderem às alheias. Fala-me, assim, com simplicidade, com clareza, dos pobres a quem quiseras consolar: dos doentes a quem vês padecer, dos transviados que almejas tornem ao bom caminho; dos amigos ausentes que desejarias ter outra vez perto de ti. Diz-me por todos uma palavra, ao menos; mas uma palavra de amigo, palavra de dedicação fervorosa. Lembra-te que prometi escutar a súplica que saísse do coração: e não sairá do coração o pedido que me fazes pelas pessoas que teu coração mais especialmente ama?

E para ti não precisas de alguma graça? Faz-me se quiseres, uma lista de tuas necessidades e vem lê-la na minha presença.

Diz-me francamente que sentes orgulho, falsa delicadeza, amor à sensualidade e ao regalo; que és, talvez, egoísta, inconstante, negligente... e pede-me em seguida, que venha ajudar-te nos esforços, poucos ou muitos, que fazes para livrar-te de tais misérias.

Não te envergonhes, pobrezinho! No céu há tantos e tantos justos, tantos Santos de primeira ordem, que tiveram esses mesmos defeitos! Pediram com humildade, e a pouco e pouco viram-se livre deles.

Também não receies pedir-me bens do corpo e de entendimento: saúde, memória, sucesso feliz em teus trabalhos, negócios ou estudos... Tudo isso posso dar-te, e o dou e desejo que me peças, enquanto se não opuser à tua santificação, senão que a favoreça e ajude.

Hoje mesmo o que precisas? Que poderia Eu fazer em teu favor? Se conhecesses os desejos que tenho de te favorecer!...

Tens entre mãos alguns projectos? Conta-me-os miudamente. Que te preocupa? De que desconfias? O que desejas? Que poderia Eu fazer por teus irmãos, por tuas irmãs, por teu amigo, por teu superior, por teu pai, por tua mãe? Que desejarias tu fazer por eles?

E por Mim, não sentes desejos da minha glória? Não gostarias de poder fazer bem a teus próximos, a teus amigos, a quem muito amas, e que vivem talvez esquecidos de Mim? Diz-me que é que hoje atrai particularmente a tua atenção, que é que mais vivamente almejas, com que meios contas consegui-lo. Diz-me se não te sucedeu bem, e Eu te direi a causa do mau sucesso. Não quererias interessar-me em teu favor?

Sou, meu filho, dono dos corações, e docemente os levo, sem prejuízo da sua liberdade, para onde me apraz.

Estás talvez triste ou de mau humor? Conta-me, conta-me, alma desconsolada, as tuas tristezas muito miudamente. Quem te feriu? Quem melindrou teu amor-próprio? Quem te desprezou? Acerca-te do meu Coração, que tem bálsamo eficaz para as feridas do teu. Conta-me, e acabarás em breve por dizer-me, que à semelhança de Mim, perdoas tudo, esqueces tudo, e em troca receberás a minha benfazeja bênção.

Temes, por ventura? Sentes em tua alma aquelas vãs melancolias, que embora sejam injustificadas não deixam de ser bem angustiosas? Lança-te nos braços da minha Providência. Estou contigo, aqui, a teu lado me tens: vejo tudo, ouço tudo: nem um momento ficas desamparado.

Sentes desprezo da parte das pessoas, que antes te amavam, e vivem agora esquecidas e apartadas de ti, sem que lhes tenhas dado o menor motivo? Roga por esta tua necessidade; Eu farei que voltem a ti, se não servirem de obstáculo à tua santificação.

E não tens talvez alegria alguma a comunicar-me? Porque é que não me fazes partilhar dela, como bom amigo? Conta-me o que desde ontem desde a última visita que me fizeste, consolou e fez sorrir teu coração. Talvez tiveste agradáveis surpresas; acaso viste dissipados negros receios; talvez recebeste boas notícias, uma carta, mais um sinal de amor, venceste uma dificuldade, saíste de um perigo... Fui Eu que te procurei isso. Porque não me mostra por isso tua gratidão, e me dizes carinhosamente como um filho a seu pai: "Agradecido, meu Pai, muito agradecido". A gratidão atrai novos benefícios, porque ao benfeitor agrada ver-se correspondido.

Também não tens alguma promessa a fazer-me? Leio, bem o sabes, no fundo do teu coração; aos homens engana-se facilmente, a Deus não; fala-me, pois, com toda a lealdade. Tens firme resolução de não tornar a expor-te àquela ocasião de pecado? De privar-te daquele objecto, que fez mal à tua alma? De não ler aquele livro, que exaltou a tua imaginação? De não tratar mais com aquela pessoa, que turbou a paz do teu espírito?

Tornarás a ser brando, doce, amável e condescendente com aquele a quem, porque te melindrou, olhaste até agora como inimigo?

Agora, meu filho, volta às tuas ocupações, ao teu ofício, tua família, ao teu estudo... mas não te esqueças dos quinze minutos de agradável conversa, que tivemos, eu e tu, na solidão do santuário. Guarda, quanto puderes, silêncio, modéstia, recolhimento, resignação e caridade com o próximo. Ama a minha Mãe, que também é tua, a Santíssima Virgem...; e amanhã torna outra vez com o coração mais amoroso ainda, mais dedicado ao meu serviço; no meu acharás cada dia novo amor, novos benefícios, novas consolações.

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Manná do Christão, +- 1920 - pp. 163-169

Fonte:
http://romasempreeterna.blogspot.com.br

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Quando o exercício da liberdade faz doer


Há coisas que continuam a ser muito estranhas para mim. Uma delas é a importância das palavras. Ou melhor, a importância que lhes é atribuída, conforme quem as profere ou escreve, dependendo do estatuto ou do grau de responsabilidade do seu autor, como todos sabemos.
Palavras escritas ou ditas por quem está investido de autoridade, podem significar para um indivíduo, um organismo ou toda a sociedade, uma simples recomendação ou o dever de cumprimento. Depois e para além destas, há as que ouvimos dos amigos, da boca do povo e as dos agora designados fazedores de opinião. Quais delas as mais importantes? Uma pessoa inteligente poderá dizer que, pertencendo umas e outras ao campo estrito da opinião, lhe atribui simplesmente a importância da ideia veiculada, independentemente da sua origem.
Quantos de nós já ouviram ou leram palavras que lhe foram dirigidas, fossem elas de estímulo, de encorajamento, ou mesmo de correcção, palavras essas que tocaram alguns dos pontos sensíveis em nós e mexeram connosco, levando-nos a ver as coisas de maneira diferente?
Quantas vezes esses diferentes pontos de vista nos foram dados por pessoas simples, como nós, gente do povo? Sempre, dirá a maioria. Se um de nós disser que a pandemia vai deixar marcas no sentido de acentuar a já tendência comportamental de algumas pessoas, que a somar a outros medos as vai levar a distanciarem-se ainda mais, a ponto de até a própria ideia de socialização lhes causar sério desconforto, havendo por isso necessidade de estarmos mais atentos a essas pessoas, que importância, que peso é que podem ter essas nossas palavras? E se, exactamente as mesmas, forem ditas por figuras públicas? Ah, pois, aí a coisa muda de figura. E muda porque o que para nós conta não são as ideias ou pensamentos, o que conta é o estatuto ou importância da pessoa, ficando aí demonstrada a nossa pequenez.
Chegados, pois, ao ponto em que nos encontramos, ao dos sacrifícios a que fomos chamados para estancarmos a pandemia, defrontamo-nos com a controversa questão das celebrações comemorativas do 25 de Abril. Em defesa da sua realização nos moldes de sempre, ainda que com menos participantes, ouvimos coisas que só confirmam a ideia que tenho de alguns políticos convencidos que a sua opinião está acima de tudo e de todos, mesmo sabendo que o poder de um órgão de soberania como o da AR não é conferido por eles, mas emana do poder do próprio povo. E quando, em defesa das comemorações na AR, ouvimos frases do género: A democracia não está suspensa, é caso para perguntar se esse será o sentimento dos familiares e amigos dos que têm falecido, quando lhes é negado o direito e a liberdade de deles se despedirem, apesar de num espaço aberto, como é um cemitério, poderem estar muitas pessoas sem pôr em causa as distâncias de segurança; se será esse o sentimento de quem ficou impedido das celebrações litúrgicas e dos sacramentos, apesar de ser possível mate-las, observando os cuidados necessários.
Pois é. Na boca de muitos políticos, a liberdade é um bem a defender a todo o custo. O que vemos, porém, é que, para eles, liberdade tem um sentido diferente daquele que tem sido demonstrado por este povo exemplar, povo que para muitos políticos apenas serve de escadote para subirem.
Com a pandemia, os portugueses (fora os políticos, porque a pátria deles é a partidária), têm demonstrado o que para si significa liberdade. E têm-no demonstrado na forma como a liberdade melhor se pode exprimir, que não é no poder expressar-se livremente, nem muito menos no poder satisfazer vontades, mas agindo da forma como tem que ser, ainda que tal exercício faça doer.
Eu e a maioria dos portugueses, pese embora a aparente contradição, apesar de pais e filhos e avós e netos termos deixado de estar em família aos fins-de-semana, nem noutros dias podermos ir a casa uns dos outros, continuamos Livres, na medida em que cortamos todas as amarras que pudessem prender-nos a vontades ou pensamentos egoístas que por vezes sugerem outra forma de agir, enquanto que muitas das grandes figuras da nação (e seus seguidores), ao se verem contestadas pela forma como se propuseram celebrar o 25 de Abril, quais miúdos mimados e birrentos que esperneiam se os outros não aceitam brincar segundo as regras habituais, quando isso implicaria brincarem debaixo de uma forte chuvada, rotulam de fascistas quem tem ideia diferente (é como diz a mulher de má fama à colega de “profissão” quando outras mulheres dela começam a desconfiar: Chama-lhes p…, antes que te chamem a ti!).
Posso dizer por fim que os “donos” da democracia não são livres como pensam. Sê-lo-iam se não fossem escravos de ideologias, se se libertassem das fortes amarras que os impedem de agir como pessoas sensatas. Então sim que eu poderia dedicar um minuto a ouvi-los quando falam de liberdade. Até lá, caso a televisão esteja ligada e no canal que transmite as cerimónias, tirando o momento que para mim é sagrado, o do Hino Nacional, continuarei a exercer a liberdade de usar os botões do comando (desnecessário será dizer para quê).

quinta-feira, 12 de março de 2020

A BELÍSSIMA HISTORIA DO SAGRADO MANTO DE SÃO JOSÉ

O Manto de São José é uma bela e piedosa tradição que se tem passado oralmente entre os devotos de São José, de geração após geração, desde há séculos.
 
Por aqueles dias, São José devia dirigir-se às montanhas de Hébron, onde tinha ajustado um carrego de madeira; mas vinha adiando a partida dia após dia, na tentativa de reunir o dinheiro necessário. Porém, em vão! Os dias passavam e José não conseguira reunir senão metade do dinheiro. E o caso é que já não podia esperar mais; era preciso servir os clientes e portanto ir buscar a madeira.

- Se vos parece bem - disse-lhe a Santíssima Virgem -, pedirei emprestado aos parentes o dinheiro que falta.
- Eu mesmo irei - respondeu São José.
- Não, esposo meu - suplicou Maria -; deveis fazer uma longa viagem e não vos deveis cansar - e cobrindo a cabeça segundo o costume, saiu de casa. Ao regressar disse-lhe:
- Não há dinheiro. Pedi em várias casas e todas se desculparam; com certeza não o têm porque se o tivessem, porque se negariam a emprestá-lo? Mas pensei uma coisa, - continuou Maria, ocultando sob um doce sorriso o sentimento do seu coração -;...pensei que podíeis deixar o vosso manto como garantia até poder pagar e com isso o dono da madeira com certeza dar-se-ia por satisfeito.
- Pensastes bem - disse São José, baixando os olhos, para que a sua virginal esposa não os visse rasos de lágrimas.
- Adeus, esposo meu - disse Maria ao despedir-se -. O Deus de Abraão vos acompanhe e o seu Anjo vos guie.
- Adeus esposa minha; procurarei regressar depressa.


E partiu o santo com a metade do dinheiro e o manto novo que Maria lhe oferecera no dia do casamento.

***
- Deus te abençoe Ismael, disse o pai adoptivo de Jesus de modo cortês ao chegar à presença do dono da madeira contratada.
- Vens buscar a madeira? - foi a resposta à saudação de José -; bem podias ter vindo antes; pouco faltou para que ficasses sem nenhuma.

Ismael tinha mau feitio, era um avarento sem coração, a sua casa nunca conhecera a paz, a sua paixão era o dinheiro e tudo isto sabia José desde que negociava com ele; por isso já podemos imaginar a aflição que sentia o humilde carpinteiro por ter que declarar o estado das suas finanças. Escolheu a madeira, pondo-a de lado, e chegado o momento chamou à parte Ismael e falou-lhe assim:
- Não trago comigo senão a metade do dinheiro; mas tu sabes que sempre te paguei até à ultima moeda. Tem um pouco de paciência e pagar-te-ei até ao ultimo quadrante; entretanto fica com este manto como garantia.

Ismael protestou e voltou a protestar, de tal modo que esteve a ponto de desfazer o negócio; mas no fim lá acabou por ceder, se bem que de mau grado, ficando com o manto do casamento de São José como garantia até que este pudesse pagar.

O avaro Ismael tinha doentes os olhos desde havia tempo e apesar de inverter muito dinheiro em medicinas e médicos não conseguira ainda recuperar a saúde; tinha já perdido a esperança de se curar, pelo que foi grande a sua surpresa quando na manhã seguinte a este dia constatou que os seus olhos estavam sãos como se nunca tivessem estado doentes.

- Mas o que é isto?! - perguntava-se -. Ontem doentes com úlceras incuráveis, e hoje sãos sem medicina alguma!

Não atinava Ismael com a razão de tudo aquilo e ao chegar a casa contou à esposa o prodígio. Eva, que assim se chamava a mulher, era uma verdadeira serpente, tinha um génio de fera, e desde que casara com Ismael jamais havia tido paz, nem tranquilidade, nem gosto no matrimónio; mas aquela noite parecia um cordeiro. Que doçura a das suas palavras! Que mansidão! Que alegria no seu rosto antes sombrio e enrugado pela ira! "Que é isto? Que mudança é esta? Quem traria tal mudança?" - perguntava-se Ismael.

- Toma este manto e guarda-o - disse Ismael a Eva -. É de José, o carpinteiro de Nazaré, e há-de voltar por ele. Este manto deve ser a explicação de tudo o que está a acontecer - pensou para si Ismael -. Desde que o tenho em meu poder sinto em mim tal mudança, tais afectos e tais desejos, que não pode ser outra a causa. Ouviram então barulho no estábulo e, terminando a conversa, acudiram para ver do que se tratava.

Uma vaca, a melhor, a mais gorda, retorcia-se no chão. Pobre animal! Apesar dos remédios que ambos esposos lhe administravam não melhorava; pelo contrário, parecia ir apagar-se a qualquer momento. Lembrou-se então Ismael do manto de José e comunicou a Eva os seus pensamentos; nada tinham a perder; mas se a vaca se curasse, saberiam que o manto era a causa da sua sorte e do bem-estar que desfrutavam. Assim que lhe puseram o manto em cima o animal levantou-se do chão onde antes se retorcia e pôs-se a comer como se nada tivesse acontecido.

- Vês? - disse Ismael -, este manto é um tesouro. Desde que está em nossa posse somos felizes. Conservemos este presente dos céus; não nos desprendamos dele nem por todo o ouro do mundo.
- E não o devolveremos ao dono? - perguntou Eva inquieta.
- Não lho devolveremos - respondeu Ismael resolutamente.
- Então - disse Eva - vamos comprar-lhe outro melhor que este no mercado de Jerusalém e, se te parece bem, iremos os dois levar-lho.
- Sim - respondeu o marido -. Eu perdoo-lhe a divida e estou disposto a dar-lhe daqui em diante toda a madeira que ele necessitar.
- Não disseste que tem um filho chamado Jesus? - perguntou Eva -. Levar-lhe-ei de presente um par de cordeiros brancos e um par de pombas alvas como a neve. E a Maria, azeite e mel. Parece-te bem, esposo meu?
- Tudo me parece excelente - respondeu -. Amanhã iremos a Jerusalém e dali a Nazaré.


Já estavam os camelos preparados para a viagem quando chegou ofegante um irmão mais novo de Ismael dizendo que a casa de seu pai estava a arder e era preciso levar o manto do carpinteiro para apagar o incêndio. Não havia tempo a perder. Os dois irmãos correram precipitadamente para casa do pai e ao chegar cortaram um pedaço do milagroso manto e atiraram-no ao fogo. Não foi necessário derramar uma só gota de água; aquilo foi o bastante para apagar o incêndio. As gentes admiraram-se ao ver tal prodígio e louvaram o Senhor.

- Que aconteceu? - perguntou Eva ao vê-los de volta - Já se extinguiu o fogo?
- Sim - respondeu o esposo satisfeito -; um pedaço do manto bastou para realizar o milagre.


Dias depois apeavam-se dos camelos à porta do carpinteiro de Nazaré. Ismael, o antigo avarento, e Eva sua esposa, vinham cheios de humildade prostrar-se aos pés de José e Maria e trazer-lhes vários presentes. Ao vê-los, São José e a Santíssima Virgem Maria pensaram que vinham reclamar o dinheiro em falta e encheram-se de tristeza, pois ainda não tinham conseguido reuni-lo. Mas ao entrarem na casa onde José, Maria e o Menino Jesus se encontravam, puseram-se ambos de joelhos e tomando Ismael a palavra disse:

- Vimos, minha esposa e eu, agradecer-te pelos imensos bens que recebemos do céu desde que me deixaste o manto como garantia; e não nos levantaremos daqui sem obter o teu consentimento de ficarmos com ele para que continue a proteger a minha casa, o meu casamento, os meus interesses e os meus filhos.
- Levantai-vos - disse José, estendendo as mãos para os ajudar.
- Oh, Santo Profeta! - respondeu Ismael num arroubo espiritual -; permite ao teu servo que fale de joelhos e ouve estas palavras: os meus olhos estavam doentes e o teu manto curou-os; era usureiro, altivo, rancoroso e homem sem coração e converti-me a Deus; minha esposa estava dominada pela ira e agora é um anjo de paz; deviam-me grandes quantias de dinheiro e cobrei tudo sem trabalho algum; estava doente a melhor das minhas vacas e curou-se de repente; incendiou-se a casa de meu pai e extinguiu-se o fogo instantaneamente ao atirar para o meio das chamas um pedaço do teu manto.
- Louvado seja Deus por tudo! - disse baixando os olhos o santo Carpinteiro -. Levantai-vos, que não está bem que estejais de joelhos diante de um homem tão humilde como eu.
- Ainda não terminei - respondeu Ismael -. Tu não és um homem como os outros, mas um Santo, um Profeta, um Anjo na terra. Trazemos-te um manto novo, dos melhores que se tecem em Sídon; a Maria tua esposa trazemos-lhe azeite e mel, e a Jesus, teu filho, oferece-lhe minha esposa um par de cordeiros brancos e um par de pombas mais alvas que a neve do Líbano. Aceita estes humildes presentes, dispõe da minha casa, do meu gado e dos meus bosques, das minhas riquezas, de tudo o que possuo e...não me peças de volta o teu manto!
- Ficai com ele! - disse o santo Carpinteiro -; e graças, muitas graças pelas vossas ofertas.


E enquanto se levantavam do chão e aproximavam os presentes, disse-lhes Maria - sabei, bons esposos, que Deus determinou benzer todas as famílias que se coloquem sob o manto protetor do meu santo esposo. Não vos espantem pois os prodígios operados; outros maiores vereis; amai José, servi-o, guardai o manto, dividi-o entre os vossos filhos, e seja esta a melhor herança que lhes deixeis no mundo.

...E é sabido que os esposos guardaram fielmente os conselhos da Santíssima Virgem Maria e foram sempre felizes, assim como os seus filhos e os filhos dos seus filhos.

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Da publicação de Juliane Diniz, em sua página FB

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

A morte asistida é isto!


Testemunho publicado pela Dra. Patrícia Nave, dia 21 de Fevereiro, em sua página do FB

«O Rui tem 60 anos e tenho-o acompanhado em consulta por uma situação reactiva à doença oncológica da esposa, Luísa. Um cancro daqueles bem agressivos, já com metástases na cabeça. O Rui voltou hoje à minha consulta e contou-me que a Luísa tinha morrido há 1 mês.
Rui tem uma face cansada e os olhos cheios de água, mas transmite uma enorme serenidade. Não tem dormido bem... Acorda sempre às 4h da manhã... "Sabe Dra, foram 5 anos a acordar sempre a esta hora para preparar um leitinho morno e uma bolachinhas para a minha mulher... Mas agora, o travesseiro ficou vazio."
Nos últimos anos, o Rui aprendeu a fazer o bolo preferido da Luísa, sob a supervisão desta, que já com poucas forças ia dando as instruções do cadeirão. Numa das primeiras vezes que nos vimos, trouxe-me bolo feito pela Luísa. Nos últimos meses, trouxe-me bolo feito por ele. O da Luísa era melhor...
Rui não sabe o que é ir à praia ou à aldeia há algum tempo. Nos dias de consulta, pede para ser o primeiro doente do dia, "para ainda ter tempo de ir preparar o almocinho".
Nos últimos anos, há rotinas que se repetiram: a ida ao café da esquina, o passeio de poucos metros pelo quarteirão em dias de sol quando a Luísa se sentia melhor, as massagens nas costas pois as dores já apertavam...
Rui é uma pessoa simples, humilde, não terá mais do que a 4a classe. As suas palavras são meigas. O Rui é um grande homem. Coloca amor em tudo o que faz. Tanto a aprender com ele...
A Luísa morreu. Mimada, amada, carinhosamente acompanhada... Todos devíamos morrer assim. Na próxima consulta, está combinado que o Rui me vai trazer bolo e terá de ser melhor do que na última vez.»