Lúcia Maria é licenciada em economia
pelo ISEG e trabalhou durante 13 anos no Departamento das Reservas Externas do
Banco de Portugal, onde coordenava o grupo que fazia a avaliação da performance
da gestão de reservas sobre o exterior. Estava num banco que "pagava bem,
com perspectivas boas de carreira e tinha um trabalho aliciante", mas não
se sentia feliz e decidiu arriscar um caminho diferente.
Em 2004, chegou ao Carmelo de Nossa Senhora
Rainha do Mundo, da ordem dos Carmelitas Descalços, no Patacão (concelho de
Faro). Menos de um ano depois, foi revestida do hábito de Nossa Senhora do
Carmo e, hoje, faz parte de uma comunidade de 16 carmelitas descalças. Em
entrevista à Folha do Domingo,
Lúcia Maria explica como decidiu mudar de uma carreira no Banco de Portugal
para uma vida de clausura no Algarve.
"A missão principal [do Banco de
Portugal] é o bem estar da situação monetária e financeira do país. Dava-me
gosto quando lá estava e agora, como religiosa, dá-me gosto também ter essa
consciência de que trabalhava para o bem. Contribuíamos para o bem-estar. Pelo
menos tentávamos trabalhar com toda a responsabilidade e empenho para o
bem-estar público, o bem-estar comum", lembra a carmelita, na entrevista à
publicação propriedade da Diocese do Algarve.
Entrou para o Banco de Portugal através
de um estágio, ao mesmo tempo que vários colegas do então Instituto Superior de
Economia, e ficou efetiva no final do estágio. Gostava de aprender e de
estudar, fazia "aquilo que era próprio dos jovens", apaixonou-se três
vezes e queria casar e ter muitos filhos.
Depois da morte da mãe, no seu último
ano de curso, percebeu que "havia variáveis exógenas que aparecem e que
ninguém controla". Nessa altura, não se revoltou, mas deparou-se com
"algo muito superior" a si. A mãe era catequista e o grupo a quem
ensinava ficou sem catequista. "Levei o grupo até à primeira comunhão mas
depois comecei-me a afastar", conta. Gostava de pensar pela minha cabeça e
havia certas coisas na Igreja que achava que não estavam bem. O erro está não
só em não pensarmos a sério no porquê das coisas, mas também em não irmos procurar
as suas razões profundas. Ficamos na onda do que ouvimos dizer e foi isso que
me aconteceu. Fui-me afastando porque achei que havia certas coisas que não
faziam sentido nenhum".
Mas, em 2000, o seu sentimento mudou.
"É uma experiência muito bonita de se ser enamorada por Deus. As coisas
iam-me acontecendo e eu ia tendo consciência de que alguma coisa estava a mudar
e a chamar por mim, mas não percebia o que era. Olhando agora para trás,
percebo que logo no princípio do ano 2000 o evangelho de cada domingo mexia
muito comigo. Aquilo era para mim! Eu ouvia e Ele estava a falar comigo! Mas
continuava a minha vida normal".
Depois de quase 10 anos sem se
confessar, teve "um impulso" na quinta-feira santa desse ano e
confessou-se na igreja de São Nicolau, em Fátima. "Foi um momento de graça
porque me senti pecadora e o quanto o nosso pecado ofende ao Senhor, mas, ao
mesmo tempo, como Ele derramava a sua misericórdia". Ainda nesse ano, foi
à Terra Santa, numa viagem organizada pela sua paróquia. Foi nesse momento que
percebeu que "ser religioso e ser cristão não é só ir ao domingo à igreja,
tentar não fazer o mal e portar-me bem. É mais do que isso, é viver intimamente
com Deus. Então, viver intensamente o real era eu, com a consciência que Ele me
envolvia, ser economista e fazer o melhor que sabia com o sentido de, com o meu
trabalho, dar glória a Deus", diz.
Aí, decidiu que queria ser carmelita,
que "nem sabia o que era". Começou a procurar sites de ordens
religiosas na internet e ia sempre parar aos dos Carmelos. "Imprimi o
horário de vida de um dos Carmelos e a minha mana entrou de repente no meu
quarto. Eu estava com o papel na mão e meti-o rapidamente num livro sobre os
mártires do século XX, não fosse ela pensar que eu estava maluquinha se soubesse
que andava a consultar ordens religiosas", relembra.
A sua decisão foi "muito
dolorosa" para a sua família, particularmente para a irmã. Trabalhou
durante mais um ano no Banco de Portugal, pediu à instituição para regressar
eventualmente e o regresso foi concedido. "Mas o Senhor continuou a
insistir e aqui estou".
Quando o seu orientador espiritual a
aconselhou a escolher uma comunidade, lembrou-se de um visitante com quem
esteve no Carmelo de Fátima, que comentou que tinha gostado muito da comunidade
de Faro. "Fui à lista telefónica, liguei para cá e vim passar uns
dias".
Nove anos depois de ter chegado à ordem
dos Carmelitas Descalços, Lúcia Maria, que nunca tinha pegado numa agulha, faz
os hábitos. Levanta-se às 6h, faz uma hora de oração silenciosa e vai à missa
às 7h30. Reza, toma o pequeno-almoço e trabalha até ao meio dia, altura em que vai
de novo rezar e, depois, almoçar. A seguir ao almoço, tem uma hora de recriação
e convive com as restantes carmelitas. No final do recreio, faz uma visita ao
Santíssimo Sacramento e tem uma hora livre. Volta ao trabalho, volta à oração
silenciosa e janta. Depois de mais de uma hora de recriação e oração, vai
dormir.
Tem a certeza de que conseguiu atingir a
felicidade que antes não havia conseguido encontrar e sente-se "plenamente
realizada". "Não posso dizer que atingi a meta da felicidade porque
isso é sermos santos e ainda não somos. É um caminho que Deus vai fazendo
connosco".