sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Fez amor com dois rapazes e uma rapariga



Numa manhã de Sábado, a Ema e o marido tiveram que ir à Baixa fazer umas compras por causa de uma boda que seria no fim-de-semana seguinte. Quando passavam na Praça da Figueira, foram abordados por um rapaz que pedia alguma moeda que lhe permitisse o suficiente para poder comer alguma coisa, pois era já hora do almoço. Por sinal, não tinham consigo uma única moeda. Fitando-o nos olhos, disse-lhe o marido da Ema: “Lamento não ter neste momento nada para poder ajudar; lamento imenso”. E prosseguiram.
Aquele rapaz cativou o Augusto, e o comentário da esposa, ao dizer: “Já viste, amor, um rapaz tão lindo, coitadinho...”, ajudou ao desfecho da história.
Enquanto caminhavam, disse o Augusto à esposa: “De qualquer modo temos que levantar dinheiro..., vou fazê-lo já, para dar alguma coisa àquele rapaz”. Mas o tempo apertava, pois, as lojas estavam para fechar, e o bom senso da Ema alertou-o para a tremenda falta de tempo que tinham para preparar ainda tudo o que faltava.
Um pouco adiante, depois de entrarem numa loja e enquanto era procurado o tipo de vestido pretendido, disse que ia a correr ao Multibanco enquanto ela experimentava algum que achasse bem. Depois de obter como resposta: “Estava muito admirada que o não fizesses...”, foi então levantar dinheiro, indo de seguida ter com o rapaz. Sorrindo, abeirou-se dele e disse-lhe: “Há pouco não podia, mas agora já posso, porque fui propositadamente levantar para lhe dar”.
Pelo ar com que o Augusto foi recebido, verificou que aquele rapaz ficou muito surpreendido, e o seu ar de espanto aumentou quando viu que da carteira era tirada uma nota para lhe dar. Pela sua expressão, parecia ler-se facilmente o seu pensamento, que seria algo do género: este tipo está a brincar comigo... pois, parecia não acreditar que aquele dinheiro se destinasse simplesmente a corresponder ao pedido que antes tinha feito. Depois de alguma hesitação, parece ter-se convencido e acabou por aceita-lo. Enquanto o fazia, fitou o Augusto o seu olhar, através do qual sentiu que lhe transmitia uma esmola bem maior do que o valor do dinheiro. Em agradecimento, aquele incógnito pedinte apertou a mão do seu benfeitor, e este, não conseguiu dizer-lhe mais do que um “fique com Deus!"
Dois dias depois, nas escadas de acesso ao Metro do Rato, uma rapariga também pedia. No meio do corrupio de gente, parou o Augusto, abriu a mala, tirou a carteira e deu-lhe o que pôde, obtendo dela o natural “muito obrigado”. Para arrumar de novo as coisas e não impedir a normal circulação das pessoas, desviou-se um pouco para o lado e, antes de seguir, aquela jovem, despedindo-se dele, dirigiu-lhe um afectuoso olhar, sorridente, de agradecimento.
A falta de tempo, mas mais a falta de coragem para isso, impediram o Augusto de tentar conversar um pouco com aquela jovem, por se tratar de uma jovem muito bonita, não fosse ela pensar que a esmola era apenas um pretexto, e acabou por ficar com pena de não o ter tentado, recriminando-se por isso.
Quarta-feira seguinte, não estando ainda concluídos os preparativos para a tal boda, tiveram que ir ao fim do dia, desta vez acompanhados dos filhos, a um grande centro comercial.
No regresso, estando parados num semáforo, verificaram que outro filho de Deus pedia esmola aos automobilistas que aguardavam que o sinal abrisse. E antes de chegar próximo deles, voltou para trás sem nada ter conseguido. Porque o sinal estaria prestes a abrir, o automobilista abriu o vidro e chamou-o. Enquanto o pedinte se assomava ao carro, comentou a Ema: “Olha os olhos deste rapaz! Filha, olha que olhos tão lindos!...”
Aquele condutor deu-lhe o que pôde. E enquanto o pedinte segurava o dinheiro, apertou-lhe aquelas mãos muito sujas, enquanto lhe dizia, procurando falar para o interior da sua alma através das janelas que são os olhos: “fique com Deus”.
Com as mãos meio colocadas em gesto de oração, curvou-se o rapaz enquanto respondia: “Obrigado, senhor! Senhor, muito obrigado!”
Já com o carro em andamento, volta a Ema: “Vistes bem os olhos dele? Que lindos!...” E o marido acrescentou que não eram apenas os olhos, mas todo o seu rosto. Como era bonito aquele rapaz. O Augusto ficou com a sensação de ter dado uma esmola ao próprio Jesus.
Com as lágrimas a romperem, aproveitou o facto para dele fazer um momento de catequese, dizendo, como que para justificar as lágrimas que à primeira vista podem parecer fruto de sentimentalismos exagerados, que, “este género de lágrimas acontecem sempre que sentimos o amor de Deus fluir para os seus filhos através de nós».
Com o título, outra coisa não pretendi senão provocar o leitor, como logo terá deduzido pelo desenrolar da história, toda ela verídica.
A locomotiva da caridade é a compaixão em Cristo. Pouco fazem aqueles que, praticando o bem, não são movidos por esse impulso. Dessa forma, o bem praticado pode estar muito longe de um acto de amor, não passando, por isso, de simples filantropia.
Àquilo que a toda a hora as televisões mostram, até em programação para pré-adolescentes, é rara a pessoa que não designa, aquilo que vê, como acto de “fazer amor”. E nem se dá conta que só o Diabo pode levar a que o pecado seja assim chamado, ao se apropriar descaradamente do sentido verdadeiro do termo, desvirtuando algo que Deus outorgou ao homem, que é a capacidade de amar. Portanto, quando estamos perante a lascívia, a promiscuidade, a fornicação, se, relativamente a quem o faz, dissermos que está a fazer amor, estamos a usar a linguagem do Diabo. Chamemos cada coisa pelo nome!
Pois bem: fazer amor é tudo quanto relato atrás, e tantos outros gestos que resultam do facto de em cada necessitado vermos um filho de Deus. No homem, o amor não é mais do que o jorrar de uma fonte que tem a sua nascente muito a montante, ou seja, no coração de Deus. É Daí, e só Daí que provém a capacidade de o homem realizar o Bem, de fazer Amor.
Porque o homem é capaz do divino e ao divino está ligado, convém que viva de acordo com o Amor. Quem procurar a Fonte de Água Viva, tem que rejeitar tudo quanto é contrário ao bom alimento espiritual.
Esteja mais atento, estimado leitor, ao que provém de Deus e ao que provém do Diabo. Viva de acordo com o Bem, e quando se pronuncia, não troque o nome às coisas.
Abra-se ao Bem, para que da Fonte do Amor venha a frescura necessária à sua vida, à sua família, ao seu lar.


Fonte:

SANTOS, José Augusto, Fez amor com dois rapazes e uma rapariga, in Notícias de Chaves, n.º 2935, p. 8, (10-8-2007)

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