Por Maria Fernanda Barroca
Irene, nascida e criada em Moçambique, resolveu vir para Portugal e cá começou a trabalhar como empregada doméstica. O seu trabalho era, não só impecável, como muito rentável. Irene não brincava em serviço, pois queria ter uma vida com certas comodidades, mas à custa de trabalho honesto. Começou por habitar uma coisa a que não se pode chamar casa, pois que muitos cãezinhos de luxo têm mais conforto e higiene.
Juntou dinheiro e arranjou um pequeno apartamento. Dizia: “Irene trabalha, tem direito a ter comodidades” – a principal para ela era uma boa casa de banho, pois era extremamente limpa.
Tinha-lhe aparecido um bom emprego: um casal com uma filha pequena. O pai da criança era engenheiro e tinha uma vida muito ocupada; a mãe era médica e a sua profissão absorvi-a totalmente. Aquela filha viera pelo grande desejo do marido em ter filhos, porque para a mãe, bastava-lhe o estetoscópio, as seringas e o bloco das receitas. Quando chegava a casa, sempre muito cansada, metia-se no quarto e se a Irene já tinha saído, quem cuidava da menina era o pai. A Irene quando foi a primeira vez para essa casa, logo verificou que a menina sofria da falta de muita coisa: a começar no carinho, que a mãe não lhe dava por «falta de tempo», até à falta de higiene que a mãe não lhe dava por «falta de tempo», passando pelas deficiências na alimentação, que a mãe não cuidava por «falta de tempo».
A menina criada toda a semana com a Irene era uma criança bem comportada, para os seus três anos. Quando tentava uma perrice, a Irene com bons modos ralhava e educava. Nos fins-de-semana, como ninguém estava para se maçar a menina abusava e ninguém tinha mão nela. Sabendo isso, Irene, com a sua filosofia inata dizia: “Irene cuida da menina; logo também lhe dá educação; quando são horas de comer, come; quando são horas de dormir dorme; por muito que ela teime, Irene não cede”.
Um dia a Irene disse à senhora que no fim do ano ia a Moçambique matar saudades da terra e sobretudo da família que lá deixara. A senhora ficou em pânico e desabafou: “E agora quem vai tratar da menina? Sabe Irene, eu não sei -não fui feita para isto”. Então a Irene saiu-se com uma contra pergunta: “A senhora, quando nasceu já trazia a bata branca vestida (não esquecer que ela era médica); já trazia essa «coisa» pendurada ao pescoço? De certeza que não, mas aprendeu. Faça o mesmo agora pois ainda está a tempo, uma vez que é muito nova”.
Irene passou um mês em Moçambique, a visitar a sua família biológica, mas não esquecendo a “sua menina”. E pensava: oxalá que a senhora, neste mês que não teve a mãe-Irene, tivesse aprendido a cuidar da filha e que esta não esteja estragada com o «deixar correr» daqueles que dela se encarregaram.
Mas, coitada da Irene – teve de começar tudo de novo...
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