terça-feira, 3 de agosto de 2021

HISTÓRIAS DE VILELA SECA - 2

 2- O acto de solidariedade que o levou à prisão

Naquele tempo, aí por volta de 1935, 1936, havia em Vilela muitas juntas de bois, e as que não jungiam havia que ir com elas para o pasto, que poderia ser nos lameiros ou nos baldios, ou mesmo nos outeiros. Nesse trabalho de pastorícia procuravam os pais empenhar os filhos que já fossem capazes de dar conta do recado, que normalmente acontecia por volta da adolescência.

Não raro, os animais e seus pastores se encontravam com os das aldeias vizinhas. E como se sabe, rapazes à solta, sem estarem sob o olhar vigilante dos pais, tende a dar mau resultado. Num desses encontros, em resposta a alguma provocação, os de Vilela e os de Vilarelho pegaram-se. Quiçá porque algum dos de Vilarelho tenha ficado mais queixoso, a sede de vingança levou a que alguns adultos se associassem à causa, e o ajuste de contas teve dia marcado.

Sabendo-se porém em Vilela que esse ajuste de contas ia muito além de uma simples escaramuça entre rapazes, que tomara sérias proporções, tanto pelo número dos contendores como pelos meios a usar ‒ que não se limitavam aos cajados ‒, elevando por isso a gravidade da contenda, o amansador da mula, ouvindo dizer que os de Vilarelho até de pistola vinham, quis defender os de Vilela, e, fosse para servir como meio dissuasor, ou como fim último a usar em caso de necessidade de autodefesa, levou a espingarda ˗ ao que se diz, a da tropa.

No Campo Redondo, segundo o que pude apurar, o penedo que estará na propriedade que era do tio Zé Luís “Morim”, ou ao lado desta, coisa que já não recordo apesar de por lá muitas vezes eu ter andado com a minha Rola, serviu de trincheira ao portador da espingarda. E porque os de Vilarelho vinham de facto com vontade de fazer sangue, terão feito disparos. Em resposta, do lado de Vilela houve também um disparo, esse certeiro, que fez tombar o mais afoito de Vilarelho. Vendo tombar o primeiro, aqueles a quem fervia o “sangue na guelra” gelaram diante da realidade que não esperavam ver do seu lado, e logo debandaram sem conseguirem seus intentos. Do que deles poderia resultar, não sabemos; o que ficou como dado certo, foi uma morte a lamentar.

E assim, de um momento para o outro, um jovem passa de herói a vilão, neste caso, a assassino. Por esse crime respondeu em tribunal colectivo, que é, como sabemos, composto por três juízes. A vítima trabalhava como sapateiro e era filho de um Cabo da Guarda Fiscal, de Outeiro Seco, a prestar serviço no posto de Vilarelho.

O autor do crime teve como testemunha abonatória o filho do Juiz e Deputado da Assembleia da República, Dr. Moura, em casa de quem praticamente crescera. Sem antecedentes criminais que pudessem pesar contra ele, foi o Zé Maria condenado a três anos de prisão efectiva, e ainda a uma indemnização, pena que cumpriu em parte, a do tempo de cadeia, mas não a da indemnização, por não ter como a pagar, nem bens que pudessem ser alienados.

Com o epíteto de “guicho”, que possivelmente já lhe adviria da infância, viria a ficar conhecido por tantos que, como eu, o conheceram ainda muitos anos.

 José Augusto Santos

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